Recebi um convite para fazer parte da Academia William Shakespeare e me senti extremamente grata e emocionada, afinal, ingressar no seleto grupo de imortais é motivo de muita honra e alegria.

De longe observava as cerimônias de posse, via a emoção transbordando de cada agraciado e sem nenhuma inveja, mas com uma ponta de esperança, imaginava como seria essa sensação de reconhecimento e vitória.

Fui pesquisar e descobri que ao se tornar um imortal acadêmico a pessoa passa a ser um obreiro da cultura, inserido no mundo das letras, da cultura, das pesquisas e do conhecimento, podendo ser poetas, filósofos, artistas, escritores, cientistas, professores, jornalistas, colunistas ou intelectuais.

Eu me encaixo na categoria de eterna aprendiz, uma curiosa por natureza, uma mulher de 63 anos, brasileira, casada, com 2 filhos, uma ilustre desconhecida com mania de escrever, arquiteta por formação, proprietária de uma fábrica de sonhos e construtora de pontes entre as pessoas.

Escolhi como patrona a Madame Curie, a primeira mulher laureada com o Prêmio Nobel, a única a ganhar o Nobel duas vezes e a única pessoa premiada em 2 campos científicos diferentes: a Física e a Química, a primeira mulher a se tornar professora na Universidade de Paris, a primeira mulher a ser sepultada por seus próprios méritos no Panteão de Paris. Deixou 2 filhas e um legado de 5 Prêmios Nobel na família Curie, um deles conquistado por uma das filhas.

O pai era professor de física e matemática e a mãe professora, pianista e cantora. Desde pequena teve contato com as ciências e foi criada numa família que valorizava muito a educação.

Marie Curie sofreu 2 duras perdas na infância: a mãe morreu de tuberculose e a irmã de tifo. Apesar de enfrentar um quadro depressivo, foi incentivada pelo pai a se dedicar aos estudos onde se formou aos 15 anos como destaque da turma.

Para garantir o sustento da família após ser demitido por seu posicionamento político, seu pai abriu uma escola. E apesar de ter se formado, Marie não podia prosseguir seus estudos pois a Universidade de Varsóvia não aceitava mulheres. Decidida a estudar na França, começou a dar aulas particulares e trabalhou como governanta para juntar dinheiro.

Ela desenvolveu a teoria da radioatividade, descobriu 2 elementos químicos: o polônio e o rádio, realizou os primeiros estudos para o tratamento de neoplasias usando isótopos radioativos. Fundou o Instituto Curie em Paris e durante a Primeira Guerra Mundial, desenvolveu unidades de radiografia móvel para fornecer serviços de raio-X para hospitais de campanha.

Madame Marie Curie faleceu em 1934, aos 66 anos, de anemia aplástica, decorrente da constante exposição à radiação durante seu trabalho e pesquisa.

Meu pai era médico cirurgião e minha mãe, médica ginecologista e diferente da maior parte das meninas, quando pedia para eles me contarem uma história, ao invés da Cinderela ou da Branca de Neve, eles me contavam a história da Madame Curie, era a minha preferida antes de dormir, se tornou meu personagem favorito, eu a imaginava como uma guerreira samurai que tinha como armas a inteligência, a ousadia e muita coragem.

Só quando me tornei adulta entendi porque eles insistiam nesta história, minha avó perdeu 2 filhos de inanição durante a guerra, meu pai contraiu tuberculose na época em que a penicilina não havia sido descoberta, sobreviveu mas com sequelas, metade do pulmão virou pedra, quando nasci ele tinha quase 40 anos e temia não viver o suficiente para me ver crescer, então meus pais decidiram criar as filhas não como princesas, mas como meninas normais que precisam estudar muito para se tornar independentes e protagonistas da própria vida, assim como a Madame Curie.

Com ela aprendi que podemos ser desbravadoras, pioneiras, inovadoras, daquele tipo que sonha e realiza, que cai e levanta quantas vezes forem necessárias, mulheres reais para quem a vida não é um conto de fadas, mas uma história de luta, dedicação e coragem.

Faço parte de uma organização de mulheres empresárias cujo lema é “Sozinhas invisíveis, juntas invencíveis” porque acreditamos que um graveto sozinho é frágil e facilmente quebrado, mas muitos gravetos amarrados juntos se tornam inquebráveis.

Com o coração batendo forte experimentei o fardão com bordados em fio de ouro, botões com o símbolo da academia… ainda não existe uma versão feminina para a roupa que mais parece um fraque de gala, mas está tudo bem! Agradeço à Academia por abrir espaços para as mulheres, por nos dar visibilidade e a oportunidade de falar e ser ouvida.

Finalizo com uma frase da ativista paquistanesa Malala:

“Levanto a minha voz, não para que eu possa gritar, mas para que aqueles sem voz possam ser ouvidos…”

 

Lilian Schiavo

 

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