Vivian Soares: Nada de Novo no Front – O filme indicado ao Oscar que vai mudar sua percepção sobre a Guerra

Botas completamente encharcadas de lama e sangue. Pedaços de corpos pendurados em árvores e cercas de arame farpado. Horas e horas perdidas em uma trincheira mefítica para conquistar mais um metro – ou menos – de terra. Homens de todas as idades cujo senso de identidade foi quase inteiramente substituído pela necessidade de sobreviver e voltar para casa. É nesse cenário dantesco que, ‘Nada de Novo no Front’, filme de guerra recém-lançado na Netflix que vem chocando espectadores do mundo todo, se desenrola.

Se o título desse filme te pareceu familiar, não é por acaso. A mais recente versão adapta para o cinema um dos romances literários mais famosos da Alemanha, de mesmo nome, escrito por Erich Maria Remarque. Publicado em 1928, apenas 10 anos depois do fim da Primeira Guerra Mundial, o livro reconstitui as memórias do autor quando ocupava o posto de soldado no front de batalha contra a França (entre 1914-1918). Dentre os horrores presenciados pelo escritor, nascido Paul Kramer Remark, as cenas mais marcantes estão atreladas às máquinas de assassinato em massa desenvolvidas e amplamente utilizadas naquele período – homens mortos com gases tóxicos, bombas, lança-chamas, perfurados por baionetas, esmagados por tanques.

A narrativa gráfica e verossímil logo rendeu ao livro sua primeira adaptação para o cinema: Sem Novidade no Front (1930), dirigido por Lewis Milestone. Hoje, quase 100 anos depois, o filme ganha novamente um roteiro adaptado nos cinemas pelas lentes do diretor alemão Edward Berger, diretor que, apesar de sua filmografia pouco extensa, entregou um dos filmes de guerra mais espetaculares já feitos. Para exprimir sua percepção sobre a guerra, o diretor reitera seu domínio técnico brincando com contrastes.

Logo no início do filme, planos médios focam em paisagens naturais, bastante silenciosas, coloridas, que transbordam vida. Árvores, o raiar do dia, uma mãe raposa com seus filhotinhos recém-nascidos, o completo oposto do que estaria por vir. De uma só vez, tudo se transforma, as cores suaves da paisagem dão lugar aos tons cinzentos e sóbrios das trincheiras em meio à batalha, bem como à gritos, desespero, sangue e morte. Com esses contrastes e cenas de violência explícitas, Berger monta seu perturbador retrato falado da guerra, que ao mesmo tempo que choca pela agressividade, encanta pela força da reflexão levantada por seu enredo.

E um elemento essencial dessa montagem é a escolha do protagonista. Paul Baumer (Felix Kammerer) é um jovem alemão de apenas 17 anos que se alista por pressão dos amigos – todos da mesma idade – e, no auge de sua febre nacionalista, sem ter consciência do que é uma guerra de fato, ele e os outros vão para o front de batalha na França. O sentimento de alegria dos jovens por estar servindo a seu País com honra é rapidamente desfeito ao se depararem com a realidade das trincheiras: não existe honra em uma guerra.

Nesse meio, as personagens vivenciam um verdadeiro inferno na Terra. Escassez constante de alimentos, frio, muita lama, o cheiro pútrido dos cadáveres, o barulho insuportável dos tiros e bombas a cada instante. A experiência que o diretor entrega desse inferno na Terra é bastante completa. Mas talvez o que torne esse filme tão arrebatador é o quanto ele te aproxima do universo das personagens. Os diálogos dos meninos recrutados para a guerra são muito carregados de sonhos e vontades que qualquer jovem de 17 anos teria e isso entristece muito, uma vez que grande parte dos soldados alemães lutando na Primeira Guerra eram muito jovens fora da ficção também. Através de sua imaginação, eles encontram alegria e refúgio até nos momentos mais difíceis.

As câmeras estão, na maior parte do tempo, muito perto do protagonista, seguindo-o, na altura de seus olhos, e isso também ajuda a estabelecer conexão com o personagem. Reforçada pelo roteiro muito sólido e verossimilhante, essa empatia se corrobora pela atuação emocionante de Kammerer, ator estreante de feições expressivas que consegue dar vida a esse personagem tão sofrido de forma magistral. Se torna muito fácil para o espectador sofrer junto com ele, sentir o peso daquele contexto em suas costas.

Mas talvez o ponto mais revoltante desse filme, ainda parte do espetacular jogo de contrastes de Berger, seja o paralelo entre a tranquilidade do General na sede de um suntuoso comando alemão, bebendo chás em xícaras finas e negando propostas de pacificação por conta de sua ideologia pessoal enquanto milhões de seus homens morrem desnecessariamente nas trincheiras lutando por uma guerra que não é deles.

A expressão ‘Nada de Novo no Front’ refere-se justamente à quantidade de homens que morriam e enlouqueciam nas trincheiras para conquistar, em nome da ambição de outros em posição de poder na sociedade, pelo menos mais alguns metros de terra. Tudo isso é mostrado através do olhar de um diretor que sabe que seu País perdeu muito com essa guerra e se propôs a fazer um filme revisitando esses horrores, que soa como um clamor para que os espectadores conheçam essa história e não deixem ela se repetir nunca mais.

Absolutamente genial em tudo que se propõe a fazer, esse longa-metragem conseguiu alçar o patamar de um dos melhores de seu gênero, fazendo jus à filmes como o grandioso Glória Feita de Sangue (1957), de Stanley Kubrick. Indicado a nove categorias do Oscar 2023, Nada de Novo no Front é uma jornada pesadíssima pelos limites da crueldade e da resiliência humana, que vale totalmente a pena pela reflexão que provoca e pela maestria com que o cinema se desenrola nas mãos da direção, da equipe de fotografia e montagem e do elenco.

 É uma história memorável que brada aos quatro cantos: que nada disso nunca mais se repita.

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

 

Imagens: Foto divulgação Netflix – Filme “Nada de Novo no Front”

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