Pela lei penal no Brasil, a defesa é considerada legítima quando proporcional à ofensa do agressor.
Juristas dizem que o excesso ocorre quando ao se defender de uma injusta agressão, a pessoa emprega meio desproporcional, provovocando, assim, dano desnecessário.
A legítima defesa vem prevista no art. 25 do Código Penal, que diz:
“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
Para facilitar o entendimento do leitor, vou explicar dois termos importantes do texto legal acima, que na minha opinião, estão totalmente dissociados da realidade:
1) Utilização dos meios necessários: significa que o agente somente se encontra em legítima defesa quando utiliza os meios necessários a repelir a agressão, os quais devem ser entendidos como aqueles que se encontrem à sua disposição. Deve o agente sempre optar, se possível, pela escolha do meio menos lesivo.
2) Utilização moderada de tais meios: significa que o agente deve agir sem excesso, ou seja, deve utilizar os meios necessários moderadamente, interrompendo a reação quando cessar a agressão injusta.
Vamos imaginar a seguinte situação:
Um homem encapuzado invade sua casa pulando o muro. Ele possui algo em uma das mãos que parece um pedaço de madeira ou até uma barra de ferro.
Mas será que ele carrega uma arma de fogo escondida nas vestes?
Impossível saber.
Pela janela de seu quarto, que fica na parte de cima do sobrado, você percebe que o bandido abriu uma janela que estava destrancada e entrou na sala da casa.
A pergunta que não quer calar:
O invasor deseja fazer mal aos moradores ou somente subtrair alguns pertences e ir embora?
É impossível saber a intenção do invasor.
Qual seria sua reação se isso realmente acontecesse na sua propriedade?
Se o bandido topar com alguém dentro da casa, é obvio, vai tentar algum tipo de ação para não ser detido.
Nesse caso, o marginal poderá golpear a pessoa, mas será que a intenção dele será matar ou simplesmente machucar levemente para poder evadir-se do local?
Será que esse tipo de questionamento, na prática, no calor das emoções, vai existir?
Creio que não.
Em situações como a descrita acima, o pavor provocado nas vítimas é tão grande que não permite a elas avaliar com perfeição o que fazer e como fazer. É natural que o pânico e o medo provoquem desde um estado letárgico até a ação além do necessário para cessar a agressão e salvaguardar a auto-sobrevivência e a dos familiares.
O leitor acha que é possível, para atender a determinação da lei penal brasileira, somente reagir à eventual e injusta agressão, após medir meticulosamente a força utilizada pelo bandido?
É factível na prática esse tipo de procedimento?
Se alguém invade minha casa à noite, devo perguntar ao delinquente:
“Senhor ladrão, favor me responder: está armado ou desarmado? Se estiver armado, pretende me matar ou não? E se estiver disposto a me agredir, agiria com grande ou baixa intensidade?
No Brasil, a legitima defesa é permitida mas o excesso não, e assim a vítima pode se tornar ré numa simples canetada.
É um verdadeiro contrassenso. Qual sua opinião?
Entendo que se a defesa é legítima não se pode conjecturar sobre excesso. Na hora do sufoco, obrigar a vítima a calcular o nível de força que dever usar não me parece inteligente nem justo.
O advogado Nadir Mazloun escreveu em recente artigo que “não se pode avaliar os atos daquele que age em legítima defesa como se estes fossem passíveis de serem empregados de forma prévia e serenamente calculada”.
Devemos entender que as pessoas não estão preparadas e nem esperam ser vítimas da violência urbana.
O crime acontece quando menos se espera, em absoluta surpresa. A tensão é grande, o batimento cardíaco vai para o espaço, a sudorese aumenta significativamente. Numa fração de segundos os piores pensamentos vagueiam pela mente da vítima e do bandido. O nível de estresse e preocupação é altíssimo, pode significar viver ou morrer.
Vou trazer à baila para análise técnica-jurídica outro caso bastante comum:
Um rapaz pula o muro da residência. O morador acorda com o barulho, vê o suspeito em seu quintal e tirando sua bicicleta de estimação do lugar. Imediatamente pega sua arma de fogo legalizada, abre a janela e faz dois disparos contra o meliante, que morre imediatamente.
Nesse caso, é claro o entendimento que a vítima não agiu em legítima defesa, pois apesar de o ladrão estar em sua propriedade não colocava em risco sua integridade física. É importante frisar, que a lei brasileira não prevê legítima defesa de objetos, somente de pessoas.
Por outro lado, se o marginal arrombar a porta da casa e ingressar no interior da residência, a coisa muda de figura.
Ainda no campo da imaginação, vamos supor que o marginal está separando objetos para subtração e o morador desce a escada para ver o que está acontecendo.
Nesse momento o criminoso terá duas opções:
1) Sair correndo em desabalada carreira, pelo mesmo local por onde entrou, ou seja, demonstrando claramente que não deseja impor nenhum tipo de resistência ou embate;
2) Permanecer no local e nesse caso, a única conclusão viável é que ira se contrapor à chegada inesperada do morador;
Agora, se o ladrão permanece na sala, entendo que o morador não terá muito tempo para refletir, pois sua vida estará literalmente em jogo. Se estiver armado e atirar contra o oponente vindo a feri-lo ou até mesmo matá-lo, poderá responder pelo chamado “excesso de legítima defesa”.
Mas o marginal estava armado ou não?
Vamos a algumas hipóteses:
a)Não portava arma de fogo ou arma branca, ou seja, estava totalmente desarmado
b)Portava chave de fenda ou cano de ferro em uma das mãos
c)Estava armado com revólver ou faca, mas na cintura
d)Estava empunhando arma de fogo ou arma branca
No caso de o dono da casa ferir ou matar o ladrão, com exceção do item “d”, correrá risco de ser processado criminalmente pela agressão ou homicídio em razão do chamado “excesso de legítima defesa”.
Seguindo nessa mesma esteira, ressalvo que a atuação do policial no combate à criminalidade é ainda pior, pois quando fere ou ceifa a vida da marginal em flagrante delito, é comum a análise de algumas circunstâncias, tais como:
-Mas o rapaz portava arma de brinquedo
-Mas o tiro acertou as costas do marginal
-Não era necessário disparar 4 ou 5 vezes
-Por que não atirou na perna? Não vejo motivo para ter matado o garoto
Antes de acusar ou criticar, é preciso se colocar no lugar da vítima, que em nenhum momento pediu para ser assaltada, muito pelo contrário, foi surpreendida de maneira sorrateira por alguém que resolveu infringir o código penal.
Não é possível exigir que alguém que teve sua propriedade invadida e se vê frente a frente com oponente desconhecido, que possivelmente atentará contra sua vida e dos seus, possa avaliar, com exatidão, as consequências do uso dos meios de defesa a seu dispor, medindo e cronometrando sua reação para não atingir o marginal pelas costas ou na região da cabeça e até mesmo calcular quantos tiros deve desferir para não ingressar no campo do excesso e se tornar réu em processo criminal.