“Açúcar para adoçar a vida”. Dizia Tia Ana ao colocar mais uma grande colherada na ganache que fazia para o recheio dos ovos de páscoa. Ela repetia e repetia esse gesto num desespero que transbordava a panela e subia pelos braços até atingir seu peito. Talvez quisesse injetar açúcar em seu coração que parecia estar amargo há algum tempo.
“Deixa que eu faço” foi a frase que usou quando sua irmã avisou da festa de páscoa do asilo de sua mãe. Resolvi ajudar. Eu costumava ser a filha que ela gostaria de ter. Tia Ana nunca se casou e nunca teve filhos. Agora, ela não tinha nem sua mãe por perto. Minha avó colocou para assar todos os bolos de memória no forno de sua mente e esqueceu lá. O fogo do Alzheimer incinerou todo o sabor de sua vida, inclusive os trazidos por Ana.
Ao mesmo tempo, a vida de Ana parecia não ter mais tempero sem sua mãe. Só açúcar. Ana não processava direito ver minha avó num asilo. Seus dias estariam condenados ao diabetes? Quando se coloca açúcar demais é porque o doce tem a habilidade de mascarar a falta de sabor ou de qualidade. Apesar disso, por mais que o destino de Ana também pudesse ser insípido, seu sorriso sempre voltava ainda mais doce no final do dia.
Tia Cecília veio pegar os ovos de páscoa, estávamos terminando de retirar os ovos da forma. Ao ver que alguns estavam bem feitos e outros deformados, minha tia perguntou se eu que estragara a receita. Eu confirmei.
Ao ver, em cada um daqueles ovos de chocolate, o reflexo de nossa família, Cecília sentiu um gosto salgado. Lágrimas desciam por suas maçãs amadurecidas e eram lambidas ao chegar em seus lábios. Ana não compreendia a razão do comportamento de Cecília, entretanto sua habilidade em sentir as pessoas fez com que desse um forte abraço na irmã e enfiasse chocolate em sua boca.
Cecília estava adocicada. Todos rimos. Eu ri muito mais. Desde o dia que tia Ana foi morar comigo não existia um dia em que eu não tivesse arqueado meus lábios. Por mais que sofrêssemos, Ana tinha uma alegria maior que a nossa, um amor maior que o nosso. Talvez fosse os doces frutos de um cromossomo a mais em suas células. Talvez tentássemos saborear demais o que só precisaria ser doce como tia Ana.
Acesse: http://www.movimentodown.org.br/
Dia 21 de março, dia Internacional da Síndrome de Down.
The unveiled flavor of your skin
dragged into the thick fog of my mind
Milky Way of fears
Put into the gravitational effect of your arms
I can’t access the undesigning eye
Reactions to everything you see
To every feeling unknown
Vanishing the galaxies of the scattered universe of myself
And I’m going to the black hole of your love