Fe Bedran: A Cidade Cenográfica – Adereço – Obra-de-Arte

Há aproximadamente 10 colunas atrás, começamos a dissertar sobre o Adereço na Produção de Arte, Cenografia e Figurino. Vimos como são feitos os produtos cenográficos, rótulos, embalagens, sacolas e papelaria. Também aprendemos sobre a diversidade do papel, tanto em dobradura, objeto, como em instalação cenográfica. Observamos o Adereço como elemento cênico principal e depois o vimos se expandir e se transformar no próprio cenário, dominante.

Hoje, iremos além. Hoje, o Adereço é a própria Cidade Cenográfica de uma novela, e ao mesmo tempo, uma obra-de-arte, uma instalação artística. E esta Cidade-Cenário é o personagem principal da trama; um ser vivo que respira e está em constante mutação. Hoje, falaremos sobre pedaços de “Um Pedacinho de Chão”.

O conceito de “obra-de-arte” seria um produto que transmite uma ideia ou uma expressão sensível, um estímulo dos sentidos. Trata-se da criação que projeta ou reflete a intenção de um artista, construindo sua visão crítica do mundo. Some-se isto à Cenografia e à Produção de Arte, que também transformam as percepções do telespectador, propondo e inovando conceitos estéticos, e temos um resultado arrebatador: um Cenário-Obra-de-Arte. Lembrando, são as mãos e mentes competentes de artistas, artesãos, aderecistas, cenógrafos, figurinistas e produtores de arte que possibilitam que este Cenário-Arte se torne realidade.

No caso do “Pedacinho”, esta equipe de Criação trabalhou totalmente integrada, com cada departamento contagiando o outro com sua criatividade. Um galpão/ateliê serviu de ambiente comum de trabalho e muito contribuiu para esta integração. Este trabalho coletivo originou uma “Cidade-Cenário-de-Arte” nunca antes vista na história da dramaturgia televisiva; um conto de fadas inédito, uma fábula atemporal, um mundo lúdico que era brinquedo de criança e obra-de-arte ao mesmo tempo. “Toda a cidade cenográfica serviu como suporte a uma gigantesca instalação artística, imprimindo um lirismo singular à estética da cena. Enquadramentos, movimentação e até mesmo a interpretação dos atores eram profundamente impregnados desse lirismo de fábula onírica, trazido pela contextualização e ressignificação de todo o tipo de objeto. Latas, adereços, esculturas em fibra de vidro e dispositivos mecânicos, que levaram o telespectador a viajar por um caminho pouco visto na TV”, (Edward Monteiro, Cenografia e Artes Visuais, 2015).

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Slides 1, 2 e 3: Algumas Casas e Edificações da Cidade Cenográfica de “Meu Pedacinho de Chão”, 2014.

Primeiramente, as 28 construções da cidade cenográfica de aproximadamente 7 mil metros quadrados foram todas cobertas por latas de tintas recicladas, a pedido do diretor Luiz Fernando Carvalho para remeter aos brinquedos de lata do século XIX. Esta técnica foi criada pelo artista plástico Raimundo Rodrigues, que a batizou de Latifúndio Materializado”.

Foram vinte toneladas de latas de tinta recicladas. As latas foram abertas, cortadas, amassadas, pregadas e tingidas. Cada parte do cenário foi minuciosamente pensada artisticamente, em concordância com o arquétipo e a personalidade de cada personagem. Nenhuma construção é igual a outra.

Slides 4 e 5: Os “Latifúndios” de Raimundo Rodrigues: latas recicladas e harmonizadas como revestimento de toda a Cidade Cenográfica de “Meu Pedacinho de Chão”, 2014.

A Cenografia, Figurino e Produção de Arte não tinham compromisso com a realidade, proporções ou estilo arquitetônico. As casas foram inspiradas em construções russas, siberianas e hispânicas, coloridas e alegres. A ideia do diretor era abusar das cores e texturas, e criar uma fábula, lidando com a imaginação e remetendo ao universo da infância; uma mistura de desenho animado, da cultura pop da história em quadrinhos, do Impressionismo de Monet e Van Gogh às operetas do século XIX. Uma história de brinquedo.

Este mundo lírico e colorido começa pelas mais de 820 mil flores artificiais colocadas manualmente uma a uma por toda a cidade cenográfica. Um verdadeiro jardim de Giverny.

Slides 6 e 7: O colorido das centenas de milhares de flores e folhagens artificiais de “Meu Pedacinho de Chão”, 2014.

Para que se harmonizassem com esse mundo lírico, lúdico e toy-art da novela, todas as 47 árvores da cidade cenográfica foram coloridas com peças de crochê, permitindo que continuassem a respirar (pintá-las seria extremamente nocivo). O delicado trabalho de forração das árvores durou aproximadamente 10 dias, contando com o auxílio de andaimes e plataformas aéreas de elevação motorizadas. Foram utilizadas 14.940 peças de crochê de diferentes tamanhos, confeccionadas e aplicadas por um instituto da cidade de Inconfidentes, no sul de Minas Gerais.

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Slides 8,9 e 10: As árvores coloridas por peças de crochê. “Meu Pedacinho de Chão”, 2014.

Para completar, oito grandes telões pintados a mão, correspondendo a 3.200 metros quadrados, emolduravam a cidade.

Slides 11, 12, 13, 14: Alguns dos telões pintados à mão que cercavam a cidade cenográfica de “Meu Pedacinho de Chão”, 2014.

As telas de lona crua de algodão foram pintadas durante 45 dias sob o sol escaldante do verão carioca. Todas dão a ideia de continuidade do cenário real, fazendo com que o universo de “Meu Pedacinho de Chão” se tornasse infinito.

E infinitas são as características deste folhetim encantador que, infelizmente, não cabem em uma só coluna. Na semana que vem, continuaremos a contemplar mais faces e fragmentos da sua beleza artística e artesanal. Até lá!

 

*Referências:

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  1. Vestindo a Cena. vestindoacena.com/o-mundo-encantado-de-meu-pedacinho-de-chao/
  2. Memória Globo. memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/meu-pedacinho-de-chao-2014/meu-pedacinho-de-chao-2014-cenografia-e-arte.htm
  3. Portal Sete Artes. portalseteartes.blogspot.com.br/2014/05/meu-pedacinho-de-chao-muito-mais-que-um.htm.
  4. Artistas plásticos e cenógrafos chamam a atenção com o sofisticado visual de ‘Meu pedacinho de chão’ http://www.uai.com.br/ . Autor: Ana Clara Brant
  5. Cenografia e Artes Visuais. Artes Provisórias. https://artistaprovisorio.wordpress.com/2015/06/01/cenografia-e-artes-visuais

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