Quando a vida recomeça

Ela pintou os lábios de vermelho, arrumou a cabeleira, cacho por cacho, enfiou-se no vestido lilás que havia comprado- e que quase fizera aniversário dentro do armário – e, se encarou no espelho.

Alguns quilos mais magra, mesmo que não o ideal para si, já podia notar com satisfação os ossos do colo despontando.

Um brilho no olhar saltou a sua própria imagem. É isso! – sussurrou

Ela estava confiante! Confiante como jamais imaginara. Como a muito tempo não se sentia. Maria estava decidida a banhar-se na onda dos novos acontecimentos em sua vida.

O luto não fora fácil, é verdade. Nenhum luto é, pensou.

Brincando com seu reflexo  disse: “Mas você foi corajosa! E mesmo quando acreditou que não sairia da tristeza esmagadora que esse luto te gerou, você avançou. Sabia que teu amor próprio ia te libertar! E foi o que fez. Me orgulho de você Maria! “

Olhou-se novamente no grande espelho e percebeu que pela primeira vez não sentia mais dó de si mesma. Nem pena. Nem dor.

Estava repleta de uma nova força pulsante, motivadora.

Retocou os cílios, ajeitou-se no vestido e chamou o carro pelo aplicativo.

Eram 8 da noite e aquele dia era especial. Seu aniversário de 60 anos!

Maria vivera a vida entre o trabalho, a casa, o casal de filhos e o marido.

Antônio havia sido seu grande amor e a única referência de um casamento.

Fora feliz, embora tivesse deixado, inúmeras vezes, seus sonhos guardados nas prateleiras do “servir ao outro”. Esquecera de si, tantas vezes. Alice e Gustavo estavam em cursos fora do pais, e ela agora assumia de vez, o controle da sua vida. Sem ninguém ao seu lado. Mil pensamentos povoavam a sua mente. O carro chegou e Maria sentou – se quieta no banco traseiro.

Ela estava indo ao encontro de alguns amigos, num bar bacana da cidade.

Alguns haviam ilustrado sua infância. Outros a adolescência, o casamento, a faculdade.

Ela se formara em pedagogia e educar era sua paixão. E foi o que fez nos primeiros 2 anos de casamento com Antônio.

Engravidou de Alice no segundo ano, de Gustavo, dois anos depois.

Antônio era cargo alto de um banco e pediu a ela que cuidasse dos filhos. Da casa. E dele. E assim ela o fizera.

A buzina estridente do carro da frente fez Maria acordar de seus pensamentos. Já estava próxima do endereço de sua festa. Ajeitou-se no espelhinho de bolsa, retocou o batom vermelho e desceu do carro, encontrando duas das amigas de faculdade chegando também, em frente à porta.

A ideia era reunir 20 pessoas.  Primeira vez em todos aqueles anos ela ousara misturar as tribos…

“é gente que gosto, que sabe da minha história, é disso que preciso! “

Num clima de muita animação, reencontros e emoção, Maria foi observando um a um dos 45 amigos que compareceram à comemoração de seus 60 anos.

Sentiu-se amada, prestigiada, reconhecida.

Marcos, um colega antigo da época da faculdade estava ali também, e ela o observava com mais atenção.

Ele também se mostrava mais interessado em estar ao lado dela embora várias colegas chamassem a atenção dele o tempo todo.

Maria ria sozinha. Marcos continuava encantando quem passasse por perto. Agora a vasta cabeleira estava prateada, o físico mais envelhecido, mas seu charme havia ganhado mais poder. Homem maduro, bem resolvido- pensou Maria

Lá pelas 4 da manhã, Maria sentiu os saltos esmagarem seus pés. Ela não tinha mais o mesmo vigor dos 30. Ninguém tem nem mesmo com 2 ou 3 doses de Gin Tônica.

 Vários convidados já haviam se despedido mas Marcos continuava ali “marcando território”, como diziam os antigos.

Marcos aproximou-se e sentou ao seu lado. Presenciou Maria a despedir-se de cada amigo.

E, com o bar fechando quase Marcos propôs a Maria que a acompanhasse até sua casa.

Maria suspirou e sorriu. Alisou o rosto do amigo, encostou os lábios nos lábios dele, e o encarou bem de perto: “Meu querido, estou tão feliz com a noite que vivi que quero voltar para casa acompanhada por esta sensação, sabe? Viver esta noite só confirmou o quanto estou viva e quantos sonhos ainda quero pegar nas mãos e realizar”.

 Marcos consentia com a cabeça e devolvia o agrado.

“Vamos deixar assim… tomamos um café ou vinho nos próximos dias. tá bem?- finalizou Maria

Foram para a porta juntos, mas cada um seguiu no seu carro.

Maria estava radiante! A alegria que tomava conta tinha nome…  era a de rever cada pessoa, de reconectar tanta gente amada e esquecida pela pressa dos anos, pela bolha em que vivera no casamento.

Reviu sua vida como em um filme.

Entrou em casa, retribuiu o afago que o cão lhe fizera e jogou-se na cama. Ela sorvia cada segundo da sensação de bem-estar, de amor e vida que lhe passeava pelas veias.

E em pensamento pôs-se a planejar os próximos dias.

Agradeceu aos céus tudo o que tinha vivido até ali, mas sobretudo a Maria que despertara dentro dela.

Assim, adormeceu inebriada pela certeza de que sua vida estava apenas começando.

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Imagem: Fatos desconhecidos

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