A mesa estava posta

Dois pratos, como de costume

Velas nos castiçais

Alguma música suave tocando ao fundo

E o incenso de almíscar, o predileto de Clara, queimava espalhando fumaças em círculos, pelo ar

Era noite. Noite quente de verão em Paris.

No apartamento localizado na rive gauche do Rio Senna, Clara saíra para a sacada e fitava a rua ainda agitada por transeuntes voltando do trabalho, outros caminhando até os bares do quartier para algum happy hour.

Seu longo vestido bordô esvoaçava com o vento assim como seus longos cabelos ruivos semi presos por tranças.

O relógio na parede marcava 7pm. Ela caminhou ate a cozinha para desligar o forno. Fizera seu prato predileto e o aroma do assado inundara a casa.

Atravessou a sala e foi conferir a rua. Estava na hora de Isabelle chegar.

Isabelle estacionou a moto, tirou o capacete e sacudiu os cabelos, como fazia por habito. Olhou pra sacada e acenou para Clara com um sorriso.

As duas mulheres viviam juntas há alguns meses. Com elas a gata Loire, alva e linda, como a lua.

Naquela noite comemorariam a promoção de Clara que após muito tempo na Cia aérea tinha sido promovida ao cargo que tanto desejara.

Clara estava radiante!

Ergueu a taça com vinho tinto e brindou abraçando sua parceira por mais uma conquista.

Isabelle retribuiu o gesto, mas estava distante… seu olhar demonstrava alguma preocupação que Clara não podia alcançar.

O que há minha querida? Não brinda comigo?’ – perguntou Clara sentindo seu peito estremecer.

Elas se conheciam há muito, estudaram na mesma escola, freqüentaram os mesmos núcleos sociais, e até que começassem a namorar e assumissem o amor que sentiam uma pela outra as tornando um casal, também haviam sido as melhores amigas. Clara sabia do quanto Isabelle a apoiava e que naturalmente estaria feliz por ela.

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Isabelle segura Clara pela mão, a conduz para a sacada, senta-se na velha poltrona amarela de veludo e acende um cigarro. Olha para Clara com doçura e cumplicidade e diz:

Meu amor, eu estou muito feliz por você. Era tudo o que queria. Se dedicou e batalhou por isso. Não há nada que me faça mais feliz do que sentir a sua felicidade. Porém, me angustia saber neste momento, que seu trabalho a levará para longe tantas vezes por mês. Logo agora que gostaria de compartilhar com você todo o tempo que me resta.

Ah, vida! Porque nos trai agora?– soltou Isabelle, lágrimas escorrendo dos olhos.

Clara atônita segurou o rosto de Isabelle e o virou para si.

“-” Isabelle, o que está havendo? Porque está falando assim? Em todo o tempo que te resta?

Isabelle, olhos vidrados completara:

Porque os resultados dos exames não são bons. Porque os médicos não estão confiantes. Porque descobri a doença em fase avançada

“- Fase avançada? Que doença? Me diz…” – suplicava Clara

Elas se abraçaram. Um silêncio cortante tomou conta do ambiente. No lugar das vozes, o choro.

Isabelle tira os papéis enrolados do bolso da jaqueta e conta o que ouvira dos médicos. Câncer em estágio terminal. Por isso emagrecera tanto e tão rápido por isso sentia-se tão fraca, por isso doíam-lhe os ossos.

Clara estava sem chão. E sentada no chão permaneceu.

Pegou Loire no colo e começou a agradar seus pêlos, olhar que atravessava a parceira tão amada.

Num suspiro profundo esticou os braços e ofereceu acolher sua companheira que se aninhou, cabeça amparada em suas pernas. Por horas conversaram. Conversa que varou a noite.

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Clara estava certa de que não desistiria. Conhecia pessoas influentes por todo o mundo e, certamente alguém, algum especialista poderia ajudar sua companheira de vida.

Respirou longo como se soubesse que a notícia as aproximaria ainda mais, jogou os sapatos no tapete da sala, ajudou Isabelle a se levantar, abraçou a parceira e corpo colado ao dela, ensaiou alguns passos de uma dança lenta, embalada pela música nos toca-discos.

Somos uma, cara minha… Já vivemos tantas coisas nesta jornada… vamos achar o caminho… esteja certa de que eu estarei com você e você comigo assim como a vida sempre quis.” – completou Clara em tom assertivo.

Isabelle sorriu. Ela sabia que não podia controlar o destino, mas estava confiante de que o amparo, o amor e a lealdade da parceira eram remédio certeiro para as próximas linhas que escreveria no grande livro da vida.

Foto de Capa: Freepik

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