Crítica: A Cor que Caiu do Espaço (Color Out of Space) | 2019

Antes de entrar nos detalhes, já é bom deixar logo claro: A Cor que Caiu do Espaço (Color Out of Space, POR/EUA/MAL, 2019) é deslumbrante, assustador e completamente desequilibrado. Este terceiro aspecto deixa de surpreender quando lembramos que o filme é protagonizado por Nicolas Cage, o ícone do desequilíbrio em cena (o insano Mandy que o diga). Há outros dois fatores envolvendo a produção que entretanto, despertam completamente o interesse do admirador do cinema de horror e ficção (não que a presença de Cage não seja suficiente, mas…). O primeiro fator é que A Cor que Caiu do Espaço é baseado em um conto do mestre do terror cósmico H.P. Lovecraft, escrito em 1927. O segundo é que o filme é dirigido por Richard Stanley, diretor que surgiu com força no início dos anos noventa com a sci-fi cult Hardware: O Destruidor do Futuro (1990), e que após o fiasco de sua experiência como diretor do péssimo A Ilha do Dr. Moreau em 1996, simplesmente desapareceu. Stanley foi demitido do projeto na época (que foi então assumido pelo grande John Frankenheimer), e A Cor que Caiu do Espaço marca o retorno de Stanley à cadeira de diretor depois de um hiato de 27 anos!

Com exceção de algumas pinceladas de sangue escarlate que lambuzam a tela, a paleta de cores do horror geralmente tem uma inclinação para o lado mais escuro do espectro. Afinal, geralmente são os tons sombrios que criam a atmosfera que faz com que os filmes do gênero funcionem. Sombras negras capturam o terror de nossa imaginação enquanto que marrons enferrujados e verdes fungo fazem a pele arrepiar. Contudo, nem sempre é o caso. Há filmes onde as cores vibrantes explodem na tela, amplificando a emoção e atraindo o público, vide filmes como Suspiria (Dario Argento, 1977), A Cela (Tarsem Singh, 2000), O Iluminado (Stanley Kubrick, 1980), e mais recentemente, Midsommar: O Mal Não Espera a Noite e Daniel Isn’t Real, da ascendente produtora do gênero SpectreVision, responsável também por este A Cor que Caiu do Espaço. Vale ressaltar que as críticas de Midsommar e Daniel Isn’t Real estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli.

O filme trata seu título de maneira bem literal; mostrando a chegada de uma deslumbrante luz roxa/rosa que desce dos céus e que engole a residência da família Gardner e todos que nela estão, pouco depois da queda de um meteorito há poucos metros da propriedade. Como já é de se esperar em uma adaptação da obra de Lovecraft, o evento não acontece sem trazer terríveis consequências. Cada membro dos Gardners é afetado de maneira diferente: o patriarca, Nathan (Cage), passa a ser perpetuamente oprimido por um aroma que remete à podridão; a matriarca, Theresa (a bela Joely Richardson, de O Patriota), sente sua raiva e distração se acumular, e o filho, Jack (Julian Hilliard) encontra-se subitamente na companhia de vários amigos imaginários. Os irmãos Benny (Brendan Meyer) e Lavinia (Madeleine Arthur), não parecem ser tão afetados pelos novos e misteriosos arredores, mas isso não quer dizer que eles são imunes aos seus efeitos. Até o hidrologista Ward (Elliot Knight), um espectador dos estranhos eventos, acaba pego pelo fenômeno.

À medida em que o filme prossegue, os efeitos do meteorito e a estranha cor se tornam mais e mais fortes e evidentes; manifestações físicas aparecem em chocantes (e sensacionais) efeitos-visuais práticos. As criaturas aqui remetem à um cruzamento entre as abominações da sci-fi orgânica eXistenZ, do pai do body horror David Cronenberg, com as monstruosidades do clássico O Enigma do Outro Mundo, do mestre John Carpenter. Ainda que um pouco de CGI seja usado para aumentar muito do que vemos em cena, Stanley deita e rola nos efeitos especiais práticos e no apoio de seu elenco, que sua a camisa para “vender” tais criações. O roteiro, à cargo de Scarlett Amaris em parceria com o próprio Stanley parece ter sido diretamente transportado dos anos 80, assim como o score sombrio e original repleto de sintetizadores à cargo de Colin Stetson (de Hereditário, cuja crítica também está disponível aqui no Portal).

A Cor que Caiu do Espaço, mesmo sendo um terror de atmosfera pesada e opressiva, é também um filme incrivelmente belo. Aqueles que curtiram o visual da cerebral sci-fi Aniquilação (cuja crítica também está disponível aqui no Portal), vão se deleitar com a natureza enlouquecida do filme de Stanley. À medida em que a influência do meteorito se espalha, flores extra-terrestres começam a brotar enquanto ondas de uma espécie de pólen brilhante confundem os personagens principais. Os monstros, ainda que indiscutivelmente grotescos, são fascinantes de se observar. O design de produção transforma a tranquila paisagem da Nova Inglaterra em um cenário alienígena, que incrivelmente se torna mais familiar à medida em que se afasta cada vez mais da humanidade.

Um dos tropeços do filme é seu ritmo. O primeiro ato é excessivamente longo, enquanto que seu terço final é exagerado e coloca a grandiosidade à frente da força emocional. O visual nunca deixa de ser hipnotizante, mas o filme perde força uma vez que o espectador se importa cada vez menos com os protagonistas. Cage, para variar, pode adicionar A Cor que Caiu do Espaço à sua longa e admirável lista de performances desequilibradas, mas sempre que seu personagem surta, Cage entrega uma atuação real e crua, assim como fez no recente Mandy (cuja crítica também está disponível aqui no Portal). Algumas subtramas que deveriam oferecer um significado mais profundo para o roteiro não seguram a onda, como o câncer de Theresa, que é anunciado no início do filme e depois é abandonado pela narrativa, ou o fascínio de Lavinia por rituais pagãos, que acabam servindo apenas como uma desculpa para auto-mutilação.

Problemas à parte, há muito mais a ser apreciado do que criticado em A Cor que Caiu do Espaço. Se este filme marca mesmo o retorno de Richard Stanley ao cinema de ficção, trata-se de uma tremenda ressurreição. Belo, vibrante e aterrorizante, A Cor que Caiu do Espaço é também uma justa e merecida adaptação da obra do mestre H.P. Lovecraft, com suas criaturas e infecções cósmicas petrificantes. Não é um filme perfeito, mas ainda assim é horror de primeira qualidade.

A Cor que Caiu do Espaço ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

2 respostas

  1. Bah… Qtas estralhas darias para este filme?

    Eu curto muito tudo que é tipo de filme. E quando li esta resenha fiquei com muita vontade de vê-lo. Assisti ontem. Eu daria duas estrelas e meia. Como tem as belas cores e o Cage, posso dar 3 estrelinhas.
    Esperava mais… :/

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