Crítica: A Ghost Story (2017)

Exibida no Festival de Sundance deste ano, este A Ghost Story (EUA, 2017), produção escrita e dirigida por David Lowery (dos recentes Amor Fora da Lei e Meu Amigo, O Dragão), não é um filme de horror, pelo menos não no sentido mais tradicional do gênero. Tampouco é um filme particularmente preocupado com o sobrenatural. Ao invés disso, A Ghost Story consiste em uma experiência cinematográfica permanente, que discorre sobre o ato de ser deixado para trás e de se tornar testemunha de seu próprio fim.

É uma produção profundamente triste, melancólica e sombria, ainda que constantemente fascinante. É um filme sobre o quanto menos você souber sobre ele, melhor ele será. Não por causa de plot twists ou reviravoltas, mas sim porque trata-se de uma produção incomum e de natureza inesperada. Confesso que ao final de sua justa duração (90 minutos), eu não consegui nem mesmo discernir se gostei ou não do filme, mas definitivamente eu respeitei o que Lowery estava tentando alcançar com sua narrativa minimalista.

C (o atual vencedor do Oscar de Melhor Ator Casey Affleck) e M (Rooney Mara, de Lion: Uma Jornada Para Casa, cuja crítica você confere aqui no Portal do Andreoli), vivem pacificamente juntos, até esta paz ser estilhaçada quando C morre em um acidente de carro. Depois de identificar o corpo de seu amado no necrotério, M estende um lençol sobre seu corpo e sai. Poucos momentos depois, ele se levanta como um fantasma, representado pelo lençol com dois buracos onde estariam seus olhos (apesar de nunca vermos seus olhos). C então toma o caminho de volta para sua casa, onde ele assiste à M tentar seguir em frente com sua vida.

Muito mais acontece depois disso, mas falar mais sobre a narrativa do filme entregaria boa parte do poder da visão do diretor Lowery (que dirigiu a mesma dupla de protagonistas no citado Amor Fora da Lei). O que eu posso revelar, entretanto, é que A Ghost Story é altamente incomum, e Lowery é extremamente eficaz em recomeçar a percepção da realidade por parte de seu público. Ao mesmo tempo em que uma cena onde Rooney Mara passa cinco minutos comendo uma torta pode levar boa parte do público à divagação, a mesma cena se encaixa perfeitamente com o restante do filme, e sua compleição quieta, contida, e, como C, de natureza permanente. O espectador encontra-se preso com C em um mundo sem ele, e o maior efeito que C pode ter com relação ao que está ao seu redor, é fazer luzes piscarem ou arremessar alguns objetos.

Uma atitude corajosa por parte do diretor, foi escolher um astro como Casey Affleck para o papel, para em seguida privá-lo de qualquer ferramenta que ele tem como ator. Uma vez que ele se torna um fantasma, ele não fala, o público não pode ver sua face, e sua linguagem corporal fica limitada ao que ele pode fazer estando embaixo de um lençol. Mas para Lowery, esta é a definição de vida após a morte. Tudo que uma pessoa foi em vida, é perdido e reduzido à uma memória, e individualidade não mais existe. Seja o que for que restou de C, agora são apenas memórias de M.

A Ghost Story não é um filme fácil. É devagar, metódico, consistentemente moroso e melancólico. No entanto, sua ambição é impressionante, mesmo sendo uma produção indie de baixo orçamento. A Ghost Story se arrisca bastante, fazendo o que todo bom filme independente deveria fazer. Frequentemente, “indie” significa apenas “atores famosos trabalhando de graça”, mas aqui, Lowery e seu elenco realmente se esforçam na adaptação de uma história difícil, amarrada em uma apresentação desafiadora. Independente de eu não saber se A Ghost Story é necessariamente um filme do qual as pessoas irão “gostar”, com certeza é uma produção digna de tomar o tempo do espectador, desde que este goste de cinema que desafia as convenções e o faça pensar. Trata-se de um filme inventivo, trágico, emocionante, e contado com um toque hábil, que com certeza irá assombrá-lo.

A Ghost Story não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar diretamente ao mercado de streaming e VOD.

https://www.youtube.com/watch?v=9pOh2ZoUui8

8 respostas

  1. Caro Eduardo,
    Ontem esbarrei nesse filme sem querer e comecei a assistir sem imaginar do que se tratava. Foi a melhor coisa q vi esse ano. O filme conversa com a nossa alma quase sem dialogar e ter retirado o rosto do fantasma foi a melhor coisa do filme, eu vi que o fantasma podia ser qualquer um de nós. O apego a tudo que amamos, a história, as pessoas, às vezes nos transforma em fantasmas de nós mesmos e toda uma eternidade pode se passar a nossa volta sem que nos demos conta de que estamos exatamente no mesmo lugar esperando algo ou alguém que até já esquecemos. “Estou esperando alguém. Quem? Não lembro.” Realmente é uma história difícil de acompanhar, mas não por ser monótona e sim por contar tudo em silêncio. Obra rica e dolorosa, me emocionou do começo ao fim. Assistam.

    1. Obrigado Augusto, Mariana, Paulo e Skalako, pela visita e pelos comments! Fico felizes que tenham gostado do filme. Realmente é uma bela produção.
      Voltem sempre ao Portal do Andreoli!

  2. Fiquei em choque ao terminar de ver o filme… Quanta beleza poética! Pungente, melancólico, doloroso e lindo… Um dos melhores filmes que vi esse ano… Lamento que muitos não verão essa obra fascinante…

  3. Amei o filme em todos os sentidos, mas fiquei me questionando o que estava escrito na p…. do bilhetinho?? Minha filha achou que era que a esposa estava gravida ja que ela come a torta e depois vomita e quando sai com outro cara nega passar uma noite com este; E justamente quando ele 9fantasma0 o lê desaparece ou pode-se ler que segue em frente!! aLGUEM TEM OUTRA VISÃO?? oBRIGADA!!!

    1. Ana Leite, concordo com sua filha. E tem outros detalhes…Tem uma hora que ele diz que não quer ter filhos…E a pergunta: quando ele diz que quer ficar na casa por conta de eles dois terem uma história lá…ela diz nem tanto quanto vc pensa. E no começo do filme ela diz que se mudava de casa e gostava de deixar algo escrito. Sensacional…filme show de bola ! Vou assistir novamente.

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