Crítica: A Melhor Escolha (Last Flag Flying)

Um dos cineastas cujo trabalho mais transpira humanidade é Richard Linklater. Seu trabalho humanista rendeu produções dramaticamente riquíssimas, que comovem ao mesmo tempo em que inspiram profundamente o espectador. Linklater falou com propriedade sobre o amor na Trilogia do Amanhecer (composta pelos filmes Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite); falou também sobre o amadurecimento em seu delicadamente complexo Boyhood (filme que levou mais de doze anos para ser completamente filmado), além de oferecer sua ótica sobre a rebelde geração dos anos setenta em seu Jovens Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused, 1993).

Com este comovente A Melhor Escolha (Last Flag Flying, EUA, 2017), Linklater desta vez discorre sobre a morte e o luto, com certeza o pior tipo de luto: aquele que surge após a morte de um filho. Mas não apenas isso. A Melhor Escolha é, em seu núcleo, um filme sobre o que estamos dispostos a fazer um pelo outro em nossos dias mais escuros. É também sobre estar presente quando alguém precisa de um ombro para chorar, ou uma mão para se levantar. E o filme reflete com transparência a inegável fé de Linklater na humanidade. A afeição de Linklater por seus personagens é palpável, e é justamente esta humanidade em meio à um cenário de dor e imensa tristeza que impede que A Melhor Escolha escorregue para o melodrama. Arrisco-me inclusive a dizer que A Melhor Escolha tem pinceladas do melhor que Linklater tem a oferecer como cineasta.

Larry (Steve Carell) teve um ano absolutamente terrível. Sua esposa faleceu recentemente devido ao câncer, e ele acabou de receber a notícia de que seu filho, Larry Jr., veio a morrer em combate no Iraque (o filme se passa em 2003, ano da captura de Saddam Hussein). Larry é incumbido da ingrata e dolorosa tarefa de acompanhar o corpo de seu filho até a cidade de Arlington onde será sepultado, e para auxiliá-lo na tarefa, Larry pede ajuda a seus companheiros da época em que serviu na Guerra do Vietnã, e com quem não fala há décadas: o imprevisível beberrão e encrenqueiro Sal (Bryan Cranston), e o reverendo Richard (Laurence Fishburne). O filme então segue este trio de amigos de personalidades extremamente distintas, em um road movie valorizado por um trio de atores nada menos que fenomenal.

Ao longo de sua carreira, Linklater recebeu amplo crédito principalmente por seu trabalho como roteirista, mas seu trabalho como diretor de elenco não fica devendo em nada. Neste A Melhor Escolha, seu trabalho é maravilhoso, permitindo que os monstros Carell, Fishburne e Cranston e o novato J. Quinton Johnson (no papel de um soldado que tem de acompanhar o trio na viagem), façam um trabalho fantástico com seus personagens. É uma sensação deliciosa poder acompanhar atores com este nível de talento, tendo espaço para desenvolver seus personagens de maneira que o ator simplesmente desapareça, e que o público só enxergue o personagem. Há uma cena próximo ao final do filme em que o quarteto de protagonistas conversa dentro de um trem, e chega a ser impressionante constatar o quão perfeitamente desenvolvidos todos os quatro personagens (e seus impecáveis performers) estavam naquele momento.

Curiosamente, o filme tem alguns altos e baixos justamente em seu roteiro, especialidade de Linklater, que aqui co-escreveu o filme ao lado de Darryl Ponicsan (autor do livro no qual o filme é baseado, e que já rendeu uma variação cinematográfica, A Última Missão, dirigida por Hal Ashby em 1973). Algumas situações envolvendo o trio parecem saídas de uma sitcom, o que acaba soando como uma distração para a situação extremamente real enfrentada por Larry e seus amigos. Sequências como a que o trio é confundido com um grupo terrorista; ou quando embarcam em uma excursão para comprar um item misterioso conhecido como telefone celular, são engraçadas, mas causam certa inconstância dramática no filme.

A Melhor Escolha é muito mais interessante quando segue sua pegada mais filosófica. Há um interessante subtexto sobre a fé e seus desígnios; fé em uma força superior que guia pessoas como Richard; fé em um sistema que ordena que jovens percam suas vidas em guerras impossíveis, e a fé do indivíduo em relação à seu próximo, que leva às boas ações e ao necessário mote do “fazer a coisa certa”. O filme também aborda o tema do “indivíduo vs. instituição”, que se reflete na decisão que em dado momento confronta Larry e seus amigos, e que consiste na escolha de se enterrar o soldado morto trajando seu uniforme militar ou não.

O uniforme representa o homem que deu sua vida ou o sistema que a levou? E quanto à bandeira sobre seu caixão? Qual seu real significado? Estas questões pertinentes ao drama vivido pelos protagonistas enriquecem a produção, ainda que não sejam exploradas de maneira tão profunda. O filme de Linklater por vezes também soa um tanto manipulativo, principalmente devido ao score musical que utiliza-se do recorrente som de um piano para amplificar a emoção dentro de alguns momentos da narrativa. Mas eu estaria mentindo se dissesse que não fiquei emocionado em mais de uma ocasião.

Refletindo após o filme, cheguei àquela velha máxima de que a morte chega para todos nós. Se tivermos sorte, ela não chega para nossos filhos antes de chegar até nós. Mas é claro que, nem todos têm essa sorte. Todos os dias pessoas lidam com a injustiça da morte, e inúmeras pessoas estão sofrendo com isso agora mesmo, enquanto escrevo este texto. A Melhor Escolha me reafirmou o quanto é essencial apenas estar presente para estas pessoas quando o indivíduo em questão precisa de um auxílio. Uma das últimas frases do filme é “Larry precisa de nós”, e esta frase não é nada menos do que Linklater relembrando à seu público para estar atento ao seu redor, ser caridoso, confiável, e mostrar-se vivo para quem precisa. Mas mais do que qualquer coisa, Linklater está pedindo para sermos humanos.

A Melhor Escolha estreia nos cinemas brasileiros no dia 25 de Janeiro de 2018.

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