Crítica: A Oeste do Fim do Mundo (2013)

São pouquíssimos os filmes que colocam o público em um total processo de imersão. E este drama A Oeste do Fim do Mundo (Brasil, 2013), é uma das produções que passam a fazer parte deste seleto rol. Desde seus minutos iniciais, o filme do diretor e roteirista Paulo Nascimento (do bom drama Em Teu Nome, 2009), oferece um profundo estudo sobre culpa e redenção, mesmo que esta redenção nunca venha a ser realmente sentida ou mesmo notada. Nascimento usa de uma estrutura tão simples para contar a complexa trajetória de seus personagens, que o resultado emocional de sua obra é tão implacável quanto inacreditável.

A Oeste do Fim do Mundo traz um trio de protagonistas, formado pelo argentino León (Cesar Troncoso, de Faroeste Caboclo), um solitário e reservado dono de um velho posto de gasolina (e também seu lar), completamente afastado da civilização, localizado em uma estrada pouco movimentada da Argentina, e à meio caminho do Chile. O brasileiro Silas (Nélson Diniz, do citado Em Teu Nome), é um motoqueiro que abraçou a liberdade da estrada como um modo de vida, e é a única pessoa com quem León mantém uma singela relação de amizade. Após uma série de desenganos, a também brasileira Ana (Fernanda Moro, de O Tempo e o Vento), acaba cruzando o caminho de León, e acaba sendo sua hóspede no local, que apesar de simples e precisando de reformas, é dotado de uma incomum e desértica beleza. Com o tempo, a relação entre León e Ana (e Silas) se desenvolve, e aos poucos, a difícil trajetória de cada um deles começa a ser revelada.

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Apesar do belo título do filme, A Oeste do Fim do Mundo não retrata exatamente o local onde as vidas de León, Ana e Silas se interconectam como um “fim de mundo”, mas sim como uma espécie de limbo, um entreposto localizado entre o ponto de origem das mazelas do trio de protagonistas e de seu local de “destino”, onde uma possível redenção os aguardaria. Mas habilmente, Nascimento mostra de maneira crua e verdadeira que nem sempre o ser humano busca pela redenção, e que por muitas vezes faz do próprio sentimento de culpa, um combustível suficiente apenas para manterem-se a salvo dos conflitos que um eventual “acerto de contas” acarretariam em suas vidas.

Ainda assim, nenhum dos personagens se esconde ou se encontra em um estado de fuga, pois todos eles carregam o pleno conhecimento de que não existe fuga de si mesmo, o que fica visível em uma cena de partir o coração, interpretada com alma pelo estupendo Cesar Troncoso, onde seu personagem fala pela primeira vez à Ana sobre os motivos de sua reclusão. É simplesmente uma das sequências mais emocionalmente excruciantes que já presenciei no cinema.

Aliás, Troncoso é a alma do filme, interpretando um personagem tão silenciosamente rico que é possível “ler” cada um dos sentimentos do personagem apenas por seu olhar. É uma atuação digna de qualquer prêmio que poderia vir a receber. Me agradou muito também a atuação de Nélson Diniz, que mesmo em um papel de menor carga dramática que seus dois companheiros de cena, consegue cativar o público, e graças ao magnífico roteiro de Nascimento, entregar alguns dos melhores diálogos do filme. Já a performance de Fernanda Moro está um pouco abaixo do altíssimo padrão que o filme estabelece, mas mesmo assim, ela não passa nem perto de comprometer.

A fotografia do filme à cargo de Alexandre Berra (#garotas: O Filme) é outro espetáculo à parte. Berra captura a extraordinária e triste beleza da locação em sua total magnitude, abusando de takes de amplos horizontes, que funcionam perfeitamente no sentido de situar o posto de León como o único lugar do mundo. O que acaba vindo a ser mesmo para os protagonistas massacrados pela culpa, que já não pertencem nem ao mundo de que partiram, e nem mesmo para um novo mundo ao qual poderiam vir a pertencer. A belíssima trilha-sonora incidental da produção, formada apenas por instrumentos de corda, é emocionante e usada com extremo cuidado, apenas em momentos-chave do filme.

Um dos melhores filmes que vi nos últimos anos, A Oeste do Fim do Mundo é um drama forte, denso e profundamente ligado ao poder destruidor do remorso, não fazendo concessões ao constatar de que realmente a pior dor não é a que se sente, mas sim a que se carrega. Mas ao mesmo tempo é também um belíssimo retrato do reabilitador sentimento de pertencer à algum lugar, e principalmente, à alguém.

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