Crítica: A Transfiguração (The Transfiguration)

O reflexivo e macabro A Transfiguração (The Transfiguration, EUA, 2016), consegue a façanha de ser um filme sobre vampiros, sem ser um filme de horror ou mesmo um filme que evidencie algum tipo de vampirismo. O vampirismo presente em A Transfiguração, é muito mais assustador e impressionante do que o que estamos acostumados a ver em incontáveis produções que apresentam a vertente, e por isso mesmo, é muito mais chocante e revelador.

O filme apresenta ao público seu peculiar protagonista, o adolescente Milo (Eric Ruffin, impecável), um jovem negro, morador de um conjunto barra-pesada da cidade de Nova York, que é aficcionado por vampirismo. Milo coleciona filmes e todo tipo de material sobre o tema, além de escrever sobre o assunto, de maneira bastante detalhada. Até aí tudo normal, não fosse o fato de que Milo acredita que ele próprio pode se tornar um vampiro, e começa a colocar em ação um mórbido plano para que sua transfiguração realmente aconteça.

A Transfiguração existe em um incômodo limbo entre um filme de vampiro e uma produção sobre serial killers. E o fato do filme ser tão bem-sucedido em manter este conflito na cabeça do espectador, faz com que a produção fique cravada na memória do público, muito depois dos créditos começarem a rolar. O filme com certeza aponta para o lado mais sombrio e menos fantástico da vertente vampirística, mas o diretor e roteirista estreante Michael O’Shea nunca determina para o público o que realmente está ocorrendo em sua narrativa.

De qualquer modo, A Transfiguração é um retrato atordoante e visceral de um jovem adolescente envolvido em uma série de impulsos homicidas os quais ele pode ou não controlar. Abertamente orgulhoso em manter a tradição de produções como o clássico Martin (George A. Romero, 1978) e o recente e excelente Deixa Ela Entrar (Tomas Alfredson, 2008) – ambos inclusive citados na produção – A Transfiguração abandona a mística do vampirismo em favor de um profundo estudo de personagem.

O jovem “talvez vampiro” Milo é um estudante preso à uma desoladora e solitária rotina. Ele vive com seu irmão, que sofre de síndrome pós-traumática após a Guerra do Afeganistão, em um pequeno apartamento rodeado pela violência cotidiana. Sua mãe se suicidou, e além de lidar com o luto pelo acontecido, Milo ainda sofre um bullying recorrente dos bandidos que moram no local. Mas Milo é também um assassino, frio e calculista. E uma vez por mês, ele sai de fininho à noite, e bebe o sangue de suas vítimas.

A Transfiguração é de maneira deliberada, porém sustentável, um exemplar cinematográfico que pode afastar quem gosta de narrativas um pouco mais aceleradas. O ritmo do filme é vagaroso, porém o diretor O’Shea executa seus momentos de atordoante brutalidade com precisão tática, atraindo o espectador à desenvolver empatia por Milo, para depois confrontar o público com um retrato sem concessões da capacidade do protagonista em operar com brutalidade e violência nua e crua. Em uma análise final, A Transfiguração é um filme clássico sobre vampiros. Mas aquele tipo de vampiro de alma torturada, encalhado entre a salvação e a danação, tudo isso embalado em uma narrativa de cunho crítico e cultural, com um protagonista trágico e inesquecível.

A Transfiguração está disponível em sistemas de streaming.

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