Crítica: Em Chamas (Burning/Beoning) | 2018

burning

Curiosamente, três dos filmes mais badalados do Festival de Cannes deste ano, envolvem o tema de pessoas desaparecidas. Todos lo Saben (Everybody Knows), protagonizado por Penélope Cruz e Javier Bardem, Under the Silver Lake, estrelado por Andrew Garfield, e agora este Em Chamas (Burning/Beoning, Coréia do Sul, 2018), inadvertidamente formam um interessante mosaico sobre o seu tema central, cada um deles derramando sua própria ótica sobre o assunto. Vale lembrar que você pode conferir a crítica de Under the Silver Lake aqui mesmo no Portal do Andreoli.

Mantendo a escola dos bons suspenses, a Coréia do Sul está mais uma vez bem representada por este Em Chamas, filme que traz um viés mais dramático do que outros cultuados thrillers do país, como Oldboy (2003), The Chaser: O Caçador (2008) ou Eu vi o Diabo (I Saw the Devil, 2010), por exemplo. O punch do filme também não é tão forte como os dos filmes citados, mas é pungente o suficiente para atrair e agradar os fãs do cinema do país.

Dirigido por Lee Chang-dong (de Poetry e Secret Sunshine), Em Chamas se desenrola mais como um drama psicológico do que como um thriller propriamente dito, que pode ou não envolver um mistério em torno de um possível assassinato, quando a amiga de um humilde entregador de uma região rural do país simplesmente desaparece. O cinema de crime faz parte da carreira do diretor Chang-dong, mas em Em Chamas, é a possibilidade de ter existido ou não um crime que move a narrativa da produção. Chang sugere bastante, quase até o limite da certeza por parte do espectador, mas ao mesmo tempo, esconde ainda mais em sua narrativa elusiva.

Jongsu (Yoo Ah-in), é o filho de um fazendeiro, que com um diploma em escrita mas sem emprego permanente, acabou de se reconectar com Haemi (Jun Jong-seo), sua bela e espevitada amiga de infância que hoje é uma aspirante à atriz. Quando ela parte para uma viagem com destino à África, ela pede para que Jongsu alimente seu gato enquanto ela estiver longe, tarefa que ele aceita prontamente. Jongsu então passa a fantasiar com a garota e sobre um possível envolvimento amoroso com ela, até que Haemi retorna, porém ao lado de seu novo amigo Ben (Steven Yeun, o Glenn da série The Walking Dead e também o protagonista de Mayhem, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), um abastado jovem coreano que ela conheceu no aeroporto de Nairobi.

A trama então começa a desenvolver um inquieto triângulo de amizade (amoroso?), em que Haemi faz tanto o papel de inocente, como o de garota atirada que flerta com o sofisticado Ben. Já Jongsu, cansado de ansiar pela atenção da garota, é tolerado na relação como uma espécie de testemunha do affair entre Ben e Haemi. Numa tarde, os amantes vão de carro até a fazenda onde Jongsu vive e trabalha, na ausência de seu pai, que está na prisão. E na única cena lírica do filme, Haemi, alta depois de fumar um baseado, se despe no celeiro sob a luz do crepúsculo, e embala seu corpo enquanto um sinuoso jazz toca na trilha-sonora. Depois desta cena, nada mais será o mesmo para o trio de protagonistas.

Como mencionei acima, Em Chamas tem características de um thriller de mistério envolvendo um assassinato. Entretanto, nada é certo. Aos poucos a narrativa joga algumas pistas, como uma memória da infância de Haemi e o legado da infância violenta do próprio Jongsu. E também diversos questionamentos, do tipo “seria Ben um assassino ou simplesmente um incômodo gatuno?” “Seria tudo o que Jongsu vê e deduz, parte da realidade?” Chang deixa boa parte destas dúvidas permanecer, o que para alguns, pode incomodar bastante. Contudo, Em Chamas tem todas as qualidades de um bom suspense. A trama é lenta mas envolve o público desde o início, graças também à excelente interpretação de seu trio de protagonistas, especialmente Yoo Ah-in, numa interpretação perfeita em seu caráter dúbio; e também do carismático Steven Yeun, grande chamariz internacional do filme.

Diferente da escola de thrillers sul-coreanos, Em Chamas é menos tensão e mais reflexão. Com sua narrativa profunda e propositalmente inócua, é um filme que não agrada a todos, mas naqueles a que conquista, deixa uma duradoura sensação.

Em Chamas será exibido na Mostra Internacional de Cinema de SP 2018 e em seguida lançado nos cinemas brasileiros no dia 01 de novembro.

Uma resposta

  1. “SPOILER”

    Um jovem escritor…
    Um laptop no finalzinho do 3° ato…
    Ficção dentro da ficção?
    Eu farejo um livro sendo escrito num mixto de realidade e ficção.
    Este filme suscita varias interpretações. Adoro isto.

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