Crítica: Hostiles (2017)

O western, ou o popular faroeste, é um dos meus gêneros cinematográficos favoritos. Mesmo sempre relegado à pouquíssimas produções lançadas no período de um ano, o western, quando surge, surge com um estrondo. Foi assim em sua última grande onda no início dos anos noventa, que culminou em dois Oscars de Melhor Filme para duas figurinhas carimbadas do gênero: Kevin Costner e seu Dança com Lobos (Dances With Wolves, 1990) e Clint Eastwood e seu Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992).

Recentemente, em 2015, o gênero ganhou outra de suas novas pérolas, o violento Rastro de Maldade (Bone Tomahawk), filme que marcou a estreia na direção do jovem Z. Craig Zahler, que este ano viria a dirigir a porradaça Brawl in Cell Block 99 (cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli). O filme trazia outra figurinha carimbada do faroeste, Kurt Russell, que no mesmo ano protagonizou outro western de substância, Os Oito Odiados (The Hateful Eight), sob a batuta de Quentin Tarantino, que por sua vez, três anos antes, em 2012, dirigiu outro excelente western, Django Livre (Django Unchained).

Longe da grandeza dos citados clássicos de Eastwood e Costner, e também longe da roupagem moderna e vibrante dos filmes dirigidos por Tarantino, chega este intimista Hostiles (EUA, 2017), produção menor e bem menos badalada, mas que não deixa de honrar o gênero com sua seriedade e sua narrativa sóbria e realista. A visão de um bebê sendo baleado dá o tom e estabelece a atmosfera deste western brutal, escrito e dirigido pelo ascendente Scott Cooper (de três sólidos filmes dos últimos anos, Coração Louco, Tudo Por Justiça e Aliança do Crime), e baseado em um roteiro não produzido do falecido Donald Stewart, roteirista do ótimo thriller Caçada ao Outubro Vermelho (The Hunt for the Red October, 1988).

Trata-se sem dúvida alguma de um filme muito bonito, de passo lento, repleto de planos amplos e contemplativos, capturados com maestria pelo cinematógrafo Masanobu Takayanagi (do vencedor do Oscar Spotlight: Segredos Revelados), e completado com um sinuoso score musical do genial Max Richter (da série da HBO The Leftovers). A violência do pioneiro povo branco e dos índios Nativos Americanos no Velho-Oeste é retratada de maneira trágica e equivalente para ambos os lados do conflito, ainda que a produção traga momentos de redenção através de gestos de boa fé e inesperados envolvimentos amorosos. A beleza do vasto cenário e a violência de seus habitantes humanos deveriam, evidentemente, dentro de seus respectivos extremos, significar algo dentro da trama. O filme, porém, nunca deixa claro o que isso deveria significar, e boa parte da produção ganha um aspecto um tanto estático.

Também não ajuda muito o fato de as performances, apesar de sinceras e bem intencionadas, parecerem um tanto apagadas no todo. O próprio Christian Bale, geralmente um ator de ímpeto e com interpretações viscerais no currículo, é uma presença opaca no filme, enquanto que os personagens nativos americanos por diversas vezes parecem apenas estar no filme como um artifício para fortalecer a jornada emocional dos personagens brancos. Apesar disso, a bela Rosamund Pike (Garota Exemplar, 2014) apresenta uma performance digna e imponente, assim como Q’orianka Kilcher (do drama O Novo Mundo, de Terrence Malick), no papel da guerreira nativa Moon Deer.

Pike interpreta Rosalie, uma pioneira cujo rancho no Novo México é atacado por Comanches, que assassinam brutalmente toda sua família, incluindo seu bebê, que é morto de maneira impensavelmente grotesca. Mergulhada em luto e horror, Rosalie cruza o caminho de Blocker (Bale), um oficial do exército e habitualmente, um implacável opressor do povo nativo americano, ainda que dotado de disciplina militar. Por razões políticas, Blocker recebe a ordem para libertar o moribundo chefe dos Cheyenne, Yellow Hawk (Wes Studi, de O Último dos Moicanos, 1992) e acompanhá-lo até sua terra natal em Montana. Assim o chefe indígena poderia ser enterrado na terra de seus ancestrais.

No caminho, e acompanhado por um bando que inclui Moon Deere e mais um soldado, interpretado por Timothée Chalamet (do vindouro e polêmico drama Call Me By Your Name), Blocker acaba se afeiçoando à pobre Rosalie, e assume o papel de protetor da moça, tomando para si a missão de levar ela e o restante do grupo ao seu destino em segurança. Eles embarcam em uma extraordinariamente longa e agoniante jornada, que envolverá também o encontro com um criminoso, interpretado pelo excelente Ben Foster (do sensacional neo-western À Qualquer Custo, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli).

As cenas finais deste Hostiles mostram Blocker sem seu uniforme e trajando roupas civis, o que implica que sua redenção envolve se afastar de sua vida como militar. Se isso é temporário ou permanente, nunca saberemos. Fica a impressão de que Cooper pensa que seu filme pode reconhecer e simplesmente cancelar os issues históricos da opressão do homem branco ao povo indígena, apenas aumentando os níveis de violência e levando-os ao limite. De forma que, o choque causado pela crueldade vista em cena, a virulência da masculinidade tóxica da trama (combustível de inúmeros outros westerns), e a crescente relação emocional entre Rosalie e Blocker combinadas à branda beleza natural dos cenários da produção, de alguma forma dissolveria os grandes erros cometidos pelo poder autoritário do exército americano ao longo de sua história. E nós sabemos que nunca é bem assim…

Contudo, Hostiles funciona. Funciona como western de raiz, e como uma improvável narrativa romântica que envolve aprendizado e descoberta pessoal. Os efeitos dramáticos da produção são potentes e a resposta de Cooper à grandeza misteriosa do Velho-Oeste é persuasiva e tocante. Trata-se de um drama falho, ainda que interessante e digno.

Hostiles ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros.

5 respostas

  1. Há muito tempo não é lançado um bom faroeste, gênero que eu gosto muito, bem como, um filme de tarzam, aquele realmente só na selva e um da segunda grande guerra. São 3 gêneros totalmente diferentes.

  2. Eu, acostumado com filmes pesados como “Coração Valente” “Apocalipto”, “A Fronteira”, confesso que chorei e chorei de verdade a ver neste filme a mãe cavando com as próprias mãos a cova para enterrar suas filhas e aquele choro dela, meu Deus. Parabéns para o diretor e para a atriz.

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