Crítica: Legítimo Rei (Outlaw King) | 2018

Outlaw King

Uma das produções mais badaladas do Festival de Toronto deste ano e a mais nova aquisição da toda poderosa Netflix, este Legítimo Rei (Outlaw King, UK/EUA, 2018), à princípio pode até ser considerado como uma espécie de anti-Coração Valente (Braveheart), superprodução dirigida e estrelada por Mel Gibson em 1995 e um dos meus filmes favoritos. Tanto este Legítimo Rei como o Coração Valente de Gibson são sobre a Primeira Guerra pela Independência da Escócia, ambos trazem Robert the Bruce como um personagem central, e ambos trazem a presença de William Wallace, ainda que aqui, o personagem imortalizado por Gibson seja visto por um viés bem diferente. Enquanto Gibson imaginou o rebelde como um “guerreiro poeta”, o diretor David Mackenzie (do excelente À Qualquer Custo, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), retrata Wallace como um desesperado, visto mais como uma ideia do que propriamente como um líder.

Ainda assim, é fácil perceber que Legítimo Rei carrega muitas das mesmas reflexões que o filme de Gibson, construindo uma visão semelhante sobre a revolução escocesa e protagonizado também por um galã de olhos azuis, aqui no caso o sempre eficiente Chris Pine (do citado À Qualquer Custo). E assim como em Coração Valente, Legítimo Rei só começa a mostrar sua verdadeira força quando Pine pega sua espada e oferece um banho de sangue ao espectador, enquanto recita discursos inflamados em meio ao campo de batalha. O resultado é um filme instável em suas sensibilidades, mas com o tipo de violência sangrenta que agrada em cheio aos fãs mais fervorosos da obra de Mel Gibson.

Ambientado a maior parte do tempo no intervalo entre a execução de Wallace e o epílogo de Coração Valente, Legítimo Rei tem início com uma sequência estendida de tirar o fôlego, onde a inicial rendição providencial de Robert ao Rei Eduardo I se transporta para fora do Castelo em direção à lama do campo de batalha. A longa sequência permite até uma demonstração do poder da massiva catapulta do Rei, que é disparada contra o castelo escocês à distância. Afinal, eles levaram três meses para construir tal engenhoca.

O filme poderia ter continuado com sua pegada inicial mais cinematográfica e grandiosa, especialmente durante sua lânguida primeira hora, que prepara o terreno para a verdadeira história abordada pela produção: um conto brutal ao estilo Robin Hood com um rei em fuga e, posteriormente, engajado na batalha. Mas até que tal momento chegue, o filme alterna sua narrativa entre os momentos iniciais da ascensão de Robert, com os eventos atuais que o levariam à seu destino. Apesar de focar a história em um homem que foi capaz de unir os clãs em prol de sua causa depois da insurreição fracassada de Wallace, e que deu início à sua luta assassinando seu rival pelo trono dentro de uma igreja, Legítimo Rei traz uma visão diminutiva das ambições de Robert, sem medo de deixá-lo cavar fundo na lama, mas ainda tímida em relação às suas motivações, que soam apenas remotamente medievais.

Daí a grande quantidade de cenas envolvendo casamentos, funerais, cavaleiros e juramentos, além de um intrigante porém subdesenvolvido romance entre Robert e sua noiva muito mais nova, Elizabeth (Florence Pugh, de Lady Macbeth). Abraçando o desconforto natural envolvendo a modalidade feudal dos casamentos arranjados e a diferença de idade entre os dois, Mackenzie faz com que Pugh pareça mais com uma irmã mais velha do que propriamente a madrasta da jovem filha do primeiro casamento de Robert (Rebecca Robin). Pugh, inclusive, oferece um refrescante contraponto para o “Clube do Bolinha” que domina o elenco da produção, ainda assim, ela é mantida de lado dentro do desenrolar proverbial da trama, passando a maior parte da segunda metade do filme em um quase perpétuo estado de coação, à medida em que o Príncipe de Gales (Billy Howle, de Dunkirk), marcha em direção ao seu castelo, enquanto Robert leva a batalha para a mata e ao mar no intuito de sobreviver ao banho de sangue em torno da coroa a qual reivindicou.

Entretanto, é exatamente em cima deste quesito que o filme funciona. É durante a guerra que a produção prospera com uma brutalidade visceral, ganhando seu lugar entre os épicos que retratam as antigas batalhas com veracidade e fúria. Legítimo Rei se banha nas mesmas águas sangrentas de Coração Valente, ainda que não valorize tanto a violência crua como Gibson fez em seu filme. De qualquer maneira, o nível de selvageria frente às câmeras é cruel e bastante explícito.

Esta abordagem violenta é um dos fatores decisivos do roteiro bastante direto e pouco questionador escrito à DEZ (!) mãos pelo especialista Mark Bomback (Planeta dos Macacos: A Guerra), Bathsheba Doran (da série Boardwalk Empire), David Harrower (do drama Una), James MacInnes e o próprio David Mackenzie, que anseia por seguir Robert no campo de batalha, mas não parece preocupado em segui-lo até o trono. Tal fator acaba por deixar Pine em uma posição um tanto desconfortável, já que é visível o total comprometimento do ator com o personagem, mesmo com o pouco desenvolvimento do roteiro em torno dele. No feroz clímax do filme, entretanto, Pine é um colosso, rivalizando com a performance encantadoramente visceral de Gibson em seu épico.

Os momentos finais de Legítimo Rei, que se passam no campo de batalha de Loudoun Hill, e onde Robert the Bruce e mais 500 compatriotas resistem contra cerca de três mil soldados britânicos, faz o sangue do espectador ferver com seu massacre medieval nível hard, e garantem ao filme um resultado positivo junto ao público, que já vem sedento por uma boa cena de batalha há um bom tempo. Contudo, o filme termina em dívida com seu protagonista, e se comparado à Coração Valente, perde por uma margem grande de votos. Pois ao contrário do épico de Gibson, Legítimo Rei é muito sobre guerra, e pouco sobre a poesia por trás dela.

Legítimo Rei estreia HOJE (09/11) no catálogo da Netflix.

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