Crítica: Mudo (Mute) | 2018

Em 2009, o então diretor estreante Duncan Jones (que para quem não sabe é filho do falecido gênio da música David Bowie), nos presenteou com uma das melhores e mais inteligentes ficções-cientificas dos últimos anos, o mirabolante Lunar (Moon), onde um astronauta isolado em uma estação lunar, interpretado pelo excelente Sam Rockwell (Três Anúncios Para um Crime, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), descobre da pior maneira possível que não está sozinho no local. Dois anos depois, Jones voltou a acertar na mosca com o thriller sci-fi repleto de ação Contra o Tempo (Source Code), protagonizado por Jake Gyllenhaal (do drama O Que Te Faz Mais Forte, cuja crítica você também encontra aqui no Portal do Andreoli).

Em 2016, Jones decidiu se arriscar pelo território das super-produções com a aventura Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos, filme baseado no game de sucesso World of Warcraft, do qual o diretor declarou ser fã confesso. A produção dividiu as opiniões de público e crítica, e levantou a dúvida sobre o que viria a seguir no cinema de Jones. O cineasta decidiu retornar então ao gênero que o consagrou, a ficção-científica, com este Mudo (Mute, UK/ALE, 2018), projeto no qual Jones trabalhou por mais de quinze anos, até que pudesse finalmente tirá-lo do papel. Mudo pode ser considerado como a segunda superprodução do selo Netflix, depois da primeira incursão da produtora no território com o irregular Bright (cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli).

Mudo tem sua ação ambientada em uma Berlim futurista, barulhenta e brutal, onde Leo (Alexander Skarsgård, de A Lenda de Tarzan, 2016), um homem de passado violento e incapaz de falar devido à um acidente na infância – daí o título do filme – está à procura de sua namorada desaparecida, o amor de sua vida, sua salvação. Através de ruas escuras, praças modernizadas e cruzando com todo tipo de pessoa em uma metrópole tão perigosa quanto fascinante, Leo está em uma jornada por respostas. É numa destas noites que Leo acaba se juntando à Cactus Bill (Paul Rudd, o Homem-Formiga da Marvel) e Duck (Justin Theroux, da excelente série da HBO, The Leftovers), uma dupla de irreverentes cirurgiões do exército americano que estão envolvidos em sua própria missão.

Falar mais sobre Mudo pode entregar alguns detalhes importantes sobre o desenvolvimento de sua trama, mas o que pode ser dito é que trata-se de uma sci-fi com alma, que imagina um mundo diferente e estranho, e visualmente deslumbrante. Nota-se o cuidado de Jones em cada milímetro de seu filme, que durante muito tempo foi o projeto dos sonhos do diretor. Segundo o próprio diretor, Mudo foi inclusive o primeiro projeto sugerido por ele ao ator Sam Rockwell, seu protagonista em Lunar. Ainda segundo Jones, Mudo seria uma espécie de “sequência espiritual” (Cloverfield, alguém?) de seu filme de 2009. Ainda sobre as conexões entre Lunar e Mudo, o filme da Netflix se passa no mesmo universo do filme protagonizado por Rockwell, e para aqueles que assim como eu adoram o filme de estreia de Jones, Mudo guarda uma inesperada surpresa.

Mas assim como Warcraft, Mudo é outro filme divisivo na carreira de Jones, não há dúvidas quanto à isso. O tom de sci-fi noir não agradará a todos, e o filme tem alguns problemas de ritmo em sua desnecessária longa duração de mais de duas horas. Há também uma certa inconstância no tom e na utilização do humor, especialmente em torno dos personagens de Rudd e Theroux, que contrasta demais com a seriedade e o tom sombrio do protagonista. Falando em elenco, é Rudd o grande expoente da produção, mostrando que o ator só tem evoluído como intérprete ao longo dos anos. Já o galã Skarsgård (que para quem não sabe é o irmão mais velho do sinistro Bill Skarsgård, o diabólico palhaço Pennywise de It: A Coisa, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli) se esforça, mas com a mudez de seu personagem, seu Leo acaba ficando um tanto à sombra de seus coadjuvantes.

Mas é mesmo na ousada e belíssima concepção visual que Mudo acaba se destacando. A Berlim futurista de Jones é capturada em cores e luzes de maneira nunca antes vista, e pelo menos nos quesitos design de produção, à cargo de Gavin Bocquet (do citado Warcraft) e fotografia (Gary Shaw, do também citado Lunar), Mudo é absolutamente impecável.

Um raro caso de uma ficção-científica que está mais preocupada com o aspecto humano do que com o tecnológico de sua narrativa, Mudo, apesar de seu orçamento encorpado, é um filme que vai na contramão dos blockbusters atuais. Trata-se de um projeto muito pessoal do diretor Duncan Jones, e que se reflete em seu silencioso e enigmático protagonista, para quem ser mudo é uma escolha, e não um impedimento. Em uma nota adicional e já um tanto fora do escopo da produção em si, Mudo guarda ainda um tenro detalhe em seu frame final: o filme de Jones é dedicado à seu pai, David Bowie. Mudo é o primeiro filme do diretor após o falecimento deste que foi um dos grandes gênios da música. E confesso que, por um momento, enxerguei o alto e esguio Leo sendo interpretado por Bowie. Seria no mínimo interessante.

Mudo estreia neste dia 23 de Fevereiro no catálogo da Netflix.

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