Crítica: No Dormirás (You Shall Not Sleep) | 2018

You shall not sleep

O diretor uruguaio Gustavo Hernandez estreou com propriedade em 2010 com seu A Casa (La Casa Muda), um thriller sobre uma casa assombrada que transcorre todo em tempo real e filmado em apenas uma tomada. Agora, com este No Dormirás (You Shall Not Sleep, ESP/ARG/URU, 2018), seu terceiro filme, Hernandez abandona a inovação narrativa de seu primeiro trabalho e abraça a concepção tradicional do suspense, com resultados um tanto decepcionantes. O que La Casa Muda tinha de baixo orçamento, Hernandez compensou criando uma pegajosa, sinistra atmosfera para seu filme. Já este No Dormirás, apesar de sua boa direção de arte e seu macabro cenário dentro de um asilo abandonado, soa como uma exagerada e inorgânica reciclagem dos clichês do horror.

Ao menos, No Dormirás parece ter sido talhado do mesmo material conceitual dos trabalhos anteriores do diretor, nos quais sonhos, alucinações, insanidade e o sobrenatural são parte primordial da narrativa e da jornada de seus protagonistas. Os melhorados recursos de produção também ajudam a dar ao filme um aspecto mais bem acabado, especialmente em sua sequência inicial, onde uma mulher escondida em um guarda-roupa parece estar sendo ameaçada por espectros em seu apartamento. Mais tarde, descobrimos que ela é uma atriz, Marlene (Maria Zabay), que está enfrentando pesadelos enquanto está acordada, efeito da privação de sono ordenada pela diretora de teatro Alma Bohm (a ótima Belén Rueda, dos thrillers O Orfanato e Sétimo), que acredita que tal privação resultará em melhores resultados “interpretativos” por parte de seu elenco.

Dez anos depois (em 1984), outra jovem atriz é abordada por um representante de Bohm. Seu nome é Bianca (Eva De Dominici, do vindouro horror Bad Water), que se sente lisonjeada em ser solicitada para substituir a performer protagonista da peça mais recente de uma diretora reconhecida por ser inovadora. À princípio, ela teme deixar seu pai mentalmente doente sozinho, mas após uma violenta crise, ele decide se internar voluntariamente em uma instituição psiquiátrica, o que abre caminho para Bianca aceitar a proposta.

Na realidade, ela própria está a caminho de uma destas instituições; no caso, uma que foi fechada há muito tempo e que foi escolhida por Bohm como o cenário de seu último trabalho. Ao chegar, porém, Bianca descobre que na verdade ela está concorrendo com uma colega de classe de suas aulas de atuação, Ceci (Natalia de Molina, de Viver é Fácil Com os Olhos Fechados, 2013), pelo papel central da peça que seria sobre uma mulher que na vida real teria enlouquecido e se tornado uma homicida, e mais tarde teria escrito e performado a referida peça pouco antes dela e toda a instituição sucumbir à um incêndio. Também presentes na equipe de Bohm estão uma atriz mais velha, Sara (Eugenia Tobal); o acadêmico Krosso (German Palacios) e Fonzo (Juan Guilera), o filho bem esquisito de Alma e que também atua como assistente da mãe.

À medida em que segue o regime de privação de sono, Bianca começa a experimentar assustadoras visões que podem ser manifestações sobrenaturais de antigos residentes do local, ou evidências da instabilidade mental que ela teme ter herdado de seu pai, ou ainda simplesmente uma cruel manipulação por parte de Alma e sua companhia em nome da “arte”. O problema é que No Dormirás não se contenta em escolher um rumo a seguir, e parece querer abraçar a todas as opções acima. O clímax absurdamente exagerado é um exemplo perfeito disso, e os sustos sem imaginação o enfraquecem ainda mais. O mesmo pode ser dito das nada convincentes reviravoltas do roteiro e do epílogo forçado, que não parecem nem um pouco preocupados em seguir qualquer lógica.

Tais problemas talvez não importassem se Hernandez conseguisse atingir o nível de horror surreal que Dario Argento e outros cineastas do passado chegaram a alcançar com suas obras, em que a excentricidade visual e a natureza surreal transcendiam a necessidade de uma narrativa ou coerência psicológica. E mesmo admitindo o fato de que No Dormirás é um filme visualmente rico, com o potencial atmosférico de um velho sanatório muito bem concebido pelo time do design de produção, o filme soa como uma daquelas antigas produções para a TV, reminiscente de outros exemplares do horror espanhol recente. A presença de Rueda, que já deu as caras em diversas produções do gênero, incluindo o citado O Orfanato, só aumenta no espectador a sensação de déja vu.

A narrativa deveria manter o público em um jogo de adivinhação, que consiste em decifrar se a ação do filme está sendo motivada por espíritos malevolentes ou pela loucura da protagonista, porém o roteiro preguiçoso e a execução pouco inspirada de Hernandez não valoriza nenhum destes aspectos. Também não ajuda o fato de que a protagonista Dominici, apesar de bela, não é lá uma excelente atriz. Além do fraco roteiro que não dá suporte, a própria atriz não está equipada para um papel que revela-se desafiador, dada a fragilidade mental da personagem.

O resultado final deste No Dormirás consiste em um passatempo bem acabado porém nonsense que praticamente desafia sua plateia a não pensar muito. O filme é verdadeiro às convenções do recente horror espanhol (especialmente um trecho mais sentimental envolvendo crianças), e também não é justo classificá-lo ao lado dos piores do gênero. Contudo, No Dormirás não deixa de ser uma decepção, já que o filme deixa a sensação de que qualquer diretor meia-boca seria capaz de concebê-lo, e é muito cedo em sua carreira para Hernandez estar conduzindo um trabalho tão impessoal e formulaico.

No Dormirás não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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