Crítica: November (2017)

Exibido em mais de doze festivais de cinema fantástico no ano passado, além do tradicional Tribeca Film Festival, esta estranha e atraente fábula oriunda da improvável Estônia arrancou elogios por onde passou. November (EST/HOL/POL, 2017), dirigido e escrito por Rainer Sarnet (do drama Idioot, 2011), e baseado no conhecido best-seller estônio Rehepapp, do escritor Andrus Kivirähk, levou merecidamente o prêmio de Melhor Fotografia no Festival de Tribeca e Melhor Filme no Festival Black Nights, evento que acontece em Tallinn, na própria Estônia, e que premia as melhores produções do cinema fantástico.

O filme é fiel às tradições e ao folclore de seu país, e se agarra à intensa performance física de seu elenco quase que todo não-profissional para entregar um efeito visceral e de atmosfera realista. A cara mais conhecida do elenco (e isso para quem é um fã mais hardcore do horror), é a do sinistro ator alemão Dieter Laser, o protagonista da funesta trilogia A Centopeia Humana. Ao colocar a atmosfera realista tão próxima da fantasia dark, November constrói um clima original e consternador, onde o comportamento bizarro de seus personagens ganha motivações compreensíveis, e tornam o filme inesperadamente engraçado e espantosamente atual.

November basicamente conta a história de um triângulo amoroso, cujas pontas nunca realmente se encontram. Em um pobre vilarejo rural, vive a jovem Liina (Rea Lest, do drama Ema, 2016), que mantém uma paixão secreta e silenciosa por Hans (Jörgen Liik), um dos rapazes do local. Um dia porém, Hans coloca seus olhos na filha aristocrata de um Barão local, e imediatamente se apaixona.

Hans fará de tudo para que a baronesa se apaixone por ele também, inclusive visitar o Diabo em pessoa, que habita uma floresta próxima ao vilarejo e rouba as almas dos homens. O capeta, bicho tinhoso que é, usa estas almas roubadas para alimentar os kratts, criaturas medonhas criadas pelos homens através da feitiçaria, e que servem única e exclusivamente como mão de obra para o povo do vilarejo. Quando tais criaturas não estão cumprindo alguma tarefa, elas se tornam ociosas e por vezes violentas, podendo até voltarem-se contra seus mestres. Entretanto, os moradores do local são indivíduos preguiçosos e vingativos, que vivem roubando uns dos outros e do barão em sua grande casa, então, os kratts acabam sempre tendo algum trabalho, como roubar vacas e levá-las para longe de seus respectivos donos.

Já Liina, que foi prometida em casamento por seu pai miserável à um vizinho velho e reclamão (ah, e que pode ou não ser um tipo de lobisomem), também está disposta a tudo para fazer com que Hans se case com ela, o que inclui visitar uma bruxa que dará a Liina os meios para matar a jovem baronesa, sua competidora pelo coração de Hans.

Neste cenário que é um verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir, tudo pode acontecer, e qualquer um pode cair numa cilada, especialmente o espectador. Até uma praga que surge no decorrer do filme, na forma de uma jovem mulher que muda de forma, pode virar vítima dos acontecimentos. É curioso como Sarnet e a narrativa de seu November mostram que mesmo a mais eficiente superstição, ou os mais blasfemos rituais, sejam eles pagãos ou cristãos, são inúteis contra o verdadeiro amor: a única coisa que não pode ser roubada, dada de presente ou enganada.

A impecável e imersiva fotografia em preto e branco de Mart Taniel (do drama Inferno na Ilha, 2010), que varia da mais suave escuridão até a claridade quase translúcida, aliada à uma trilha-sonora em que sons de animais são combinados ao dedilhar de uma guitarra elétrica, gradualmente ajudam o espectador a mergulhar na simples porém intrincada trama da produção, que pode ser vista como o desenrolar de um triângulo amoroso, ou como uma fábula sobrenatural que aborda diversas facetas da condição humana e da vida em sociedade.

Como até mencionei em minha crítica do horror The Lodgers aqui mesmo no Portal do Andreoli, o cinema gótico normalmente envolve ou gira em torno de uma velha mansão ou um castelo, enquanto que os moradores do vilarejo ao redor não passam de figurantes da história a ser contada. Mas November muda o foco ao retratar a rotina amarga dos camponeses, inserindo-os como catalisadores do horror à sua volta, e imaginando-os em uma realidade concebida de maneira visualmente magnífica, tão mágica quanto mundana; tão rústica quanto delicada, e onde o folclore de um país é homenageado sem nenhum tipo de sentimentalismo.

November não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de serviços de streaming e VOD.

5 respostas

  1. esse filme é numa pegada tipo a do labirinto do fauno ou é um filme mais voltado pra terror? Tem violência típica de filmes de terror ou é realmente voltado mais pro horror fantástico?

    abraço e to gostando bastante das resenhas

    1. Fala João! É um filme de terror mais alegórico, que não segue o caminho do horror convencional. É praticamente uma fábula bem dark.
      Muito obrigado pelos comments e pela confiança! Volte sempre ao Portal do Andreoli.
      Abraço!

  2. Acabei de assistir o filme e fiquei simplesmente apaixonada pela fotografia, pelo folclore e crenças estonianas, mesmo que cruéis. É um filme belo, no estrito significado da palavra. O terror é secundário nesse caso e pessoalmente me envolvi profundamente com o cenário, atores, história e paisagem… Uma linda viagem pelo imaginário de um povo.

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