Crítica: O Primeiro Homem (First Man) | 2018

O Primeiro Homem

Há dois anos, a dobradinha Damien Chazelle/Ryan Gosling encantou o mundo com o musical La La Land: Cantando Estações, produção que trilhou seu caminho com muitos prêmios e a sua quase coroação total no Oscar daquele ano (o drama Moonlight: Sob a Luz do Luar tirou o prêmio de melhor filme das mãos do musical no palco da premiação. Literalmente. Com este O Primeiro Homem (First Man, EUA, 2018), Chazelle volta a dirigir Gosling como seu protagonista em mais uma produção com cheiro de Oscars, porém desta vez, o personagem do ator não é um anônimo tentando a sorte em Hollywood. Seu personagem é ninguém mais ninguém menos que Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na superfície da lua.

Para quem nasceu no final dos anos sessenta e além, o pouso na lua foi e permanece como uma grande conquista. Neste O Primeiro Homem, Chazelle lembra ao público que a exploração espacial sempre foi um empreendimento arriscado e aterrorizante, onde homens fecham a si mesmos dentro de minúsculas máquinas de metal que foram criadas e construídas por outras pessoas, blindadas com rebites e propensas a milhares de problemas. Desde sua agoniante e fria sequência de abertura, até o eventual “grande salto para a humanidade” de Armstrong, O Primeiro Homem retrata os grandes triunfos da NASA como perigosas apostas. Assim como os melhores dramas históricos, o filme cria suspense em cima de eventos cujo resultado nós já sabemos, mas nos bastidores, a produção mostra que o governo americano pode até ter se engajado na corrida espacial apenas para superar os soviéticos, entretanto, os astronautas e engenheiros que realizaram estas missões estavam muito mais interessados no progresso científico e em sua própria sobrevivência.

Baseado no livro de James R. Hansen, O Primeiro Homem consiste boa parte em um retrato íntimo de Armstrong, um engenheiro civil e piloto que se junta ao programa espacial Gemini, ao mesmo tempo em que lida com a morte de sua filha, Karen, vítima de câncer. Tais eventos se passam após a missão Mercury ter explorado o espaço e antes da Apollo ter chegado à lua. O programa Gemini, na realidade, ajudou a aperfeiçoar manobras espaciais que tornaram as missões da Apollo possíveis.

Contando com um roteiro afiado e profundo de Josh Singer (do vencedor do Oscar Spotlight: Segredos Revelados), e uma fotografia impecável à cargo de Linus Sandgren (vencedor do Oscar por seu trabalho no citado La La Land), o filme não refuta o difícil desafio de esmiuçar a personalidade do reticente protagonista, que por exemplo, em nenhum momento menciona a filha falecida, nem mesmo para sua esposa, Jan (Claire Foy, de Uma Razão Para Viver). Mas a interpretação metódica de Gosling permite relances do que movia Armstrong em direção aos seus objetivos, como por exemplo seu amor pela matemática e seus momentos de lazer ao lado de Jan e seus filhos. É Jan por exemplo, quem força Armstrong a conversar com os garotos antes de seu embarque na missão lunar; quando eles perguntam algo a ele, ele os responde com a mesma relutância que demonstra em suas coletivas de imprensa.

A noção do quão assustador deve ser estar dentro de uma destas cápsulas espaciais já foi explorada antes, em filmes como Os Eleitos (The Right Stuff, 1983) e Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo (ainda o melhor filme que vi sobre a corrida espacial), mas Chazelle leva o público além. Numa sequência em particular de arrepiar, Armstrong dispara em direção ao espaço dentro da Gemini 8, enquanto uma verdadeira sinfonia de metal estralando acontece à sua volta (os efeitos-sonoros desta sequência estão entre os melhores que já vi); sem falar da sensação altamente claustrofóbica da cena, que coloca o espectador ao lado de Armstrong, sentindo o impacto físico e emocional do momento.

Como sempre, Gosling está ótimo aqui, apesar da armadura emocional de Armstrong que não permite que o ator explore demais o range emocional do personagem. A bela Claire Foy traz força à personagem da esposa cujo papel na história acabava sempre sendo relegado a segundo plano. Sem deixar transparecer para seus filhos, Jan vivia acompanhada da constante preocupação de que seu marido, assim como tantos outros do programa espacial da NASA, um dia não voltaria para casa. É de Foy, inclusive, o melhor momento dramático do filme, onde ela bate de frente com o engenheiro-chefe da missão, Deke Slayton (Kyle Chandler, de Manchester à Beira-Mar), quando este corta o sinal de rádio da Gemini 8 quando parecia que Armstrong e companhia não conseguiriam voltar para casa.

O elenco de apoio é fortíssimo, com uma gama de nomes como os de Christopher Abbott (Sweet Virginia, Ao Cair da Noite, cujas críticas você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli); Ciarán Hinds (da fenomenal série The Terror e do horror Elizabeth Harvest, cuja crítica também está disponível no Portal do Andreoli); Pablo Schreiber (do thriller Covil de Ladrões), interpretando Jim Lovell, o astronauta interpretado também por Tom Hanks em Apollo 13; Ethan Embry (do ótimo horror The Devil’s Candy), Jason Clarke (Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi, cuja crítica também está disponível aqui no Portal), Shea Whigham (de Sicário: Dia do Soldado e Wheelman, cujas críticas você também confere aqui no Portal), e Patrick Fugit (da série Outcast). Destaque ainda para Corey Stoll (Ouro, cuja crítica também está disponível aqui no Portal), no papel do cínico e falastrão Buzz Aldrin, e Lukas Haas (O Regresso), como Mike Collins, o terceiro astronauta da missão Apollo 11.

No geral, O Primeiro Homem consiste em um filme tecnicamente montado de maneira impressionante, desde os impecáveis efeitos visuais até o score musical de Justin Hurwitz (colaborador de Chazelle em La La Land e em Whiplash: Em Busca da Perfeição), que é flexível o suficiente para acentuar tanto a tensão da narrativa quanto a humanidade do filme. A sempre refinada edição à cargo de Tom Cross (do citado Whiplash), tem um papel-chave em estabelecer os personagens, os riscos e até a passagem do tempo.

Os mais fanáticos pelas histórias da conquista espacial vão se deliciar com a tecnologia vintage e com a recriação de momentos históricos, tanto os grandes quanto os pequenos. E dentro de um escopo maior, O Primeiro Homem nos lembra – em uma era onde imperam as fake news e onde a ciência é tratada como uma opinião – que houve um tempo não tão distante em que a humanidade era capaz de enviar pessoas para o espaço e para a lua e de volta para casa. E nós o fizemos, citando o grande John Kennedy, “não porque era fácil, mas sim porque era difícil“. Em tempos onde impera a desesperança, esta é uma lição que sempre vale ser lembrada.

O Primeiro Homem estreia nos cinemas brasileiros no dia 18 de outubro.

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