Crítica: Os Órfãos (The Turning) | 2020

O thriller/horror psicológico Os Órfãos (The Turning, UK/EUA, 2020), re-imagina a clássica história do escritor Henry James, A Volta do Parafuso (The Turn of the Screw), publicada em 1898. Ambientada nos anos noventa, esta nova versão mostra o quão atual a obra de James permanece, mesmo depois dos inacreditáveis 122 anos de sua publicação. O conto de James já foi adaptado para o cinemas e TV diversas vezes desde sua publicação, e além deste Os Órfãos, a história ainda servirá como a base da vindoura segunda temporada da série da Netflix, A Maldição da Residência Hill, cujo título original será The Haunting of Bly Manor.

Esta nova adaptação em particular foi pensada por Steven Spielberg, que aqui atua como produtor. Já é de conhecimento público que há anos Spielberg vinha querendo trabalhar em um novo filme de terror, sendo que seu único crédito no gênero é o distante Poltergeist: O Fenômeno, co-escrito e produzido por ele em 1982 e dirigido pelo então ascendente Tobe Hooper (O Massacre da Serra-Elétrica). Em 2016, Os Órfãos chegou a entrar em produção sob o título Haunted (Assombrados), sob a direção de Juan Carlos Fresnadillo (Extermínio 2), mas as filmagens foram canceladas após cinco semanas pelo próprio Spielberg. A diretora Floria Sigismondi (The Runaways: Garotas do Rock), foi então trazida para tocar o projeto, e as filmagens recomeçaram no início de 2018, na Irlanda.

Escrito pela dupla Carey e Chad Hayes (Invocação do Mal), Os Órfãos gira em torno de Kate (a bela Mackenzie Davis, de Exterminador do Futuro: Destino Sombrio), uma babá contratada para tomar conta de um peculiar par de órfãos, Miles (Finn Wolfhard, da série Stranger Things e It: A Coisa), e Flora (Brooklynn Prince, a revelação do drama Projeto Flórida, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), em uma gigantesca e decadente mansão. Além da própria natureza dos irmãos ser bastante estranha – Miles é cínico e tem tendência à violência, enquanto que Flora dá a impressão de saber mais do que parece – a própria mansão começa a se revelar possivelmente assombrada. À medida em que Kate começa a ser afetada pelo lugar e a duvidar de si mesma, surge no ar o questionamento: Estariam os órfãos performando jogos mentais com a babá, ou seria a mansão realmente assombrada? Ou ainda pior: Seriam as duas coisas?
Sigismondi acerta na mosca ao investir na lógica por trás do filme, que tem sua ambientação nos anos 90. Ao tomar esta decisão, a diretora automaticamente elimina a tecnologia da equação, e realmente mergulha o público no sinistro ambiente da produção. De fato, ao eliminar a existência de celulares e qualquer outro gadget da modernidade, Sigismondi evita distrações desnecessárias ao andamento da narrativa e consegue manter sempre um bom nível de suspense. A diretora claramente se inspirou no clássico suspense Os Inocentes (The Innocents), dirigido por Jack Clayton em 1961, e que também é uma adaptação do conto de James. Protagonizado pela bela Deborah Kerr, o filme também serviu de inspiração para o diretor espanhol Alejandro Amenábar dirigir o excepcional Os Outros (The Others), em 2001.
Apesar da importância da ambientação do filme nos anos 90, Sigismondi não foca seu filme nos aspectos da época, mas sim em construir um thriller estiloso e assustador. Histórias clássicas de horror gótico nem sempre são bem adaptadas à interpretações modernas, mas assim como a citada série A Maldição da Residência Hill, este Os Órfãos mostra que não só é possível fazer uma adaptação decente, como também pode-se acrescentar novos elementos à história original. A experiente diretora já mostrou sua habilidade em criar atmosfera, principalmente em seus trabalhos como diretora nas séries Demolidor, The Handmaid’s Tale e American Gods, e ela aplica o mesmo procedimento aqui.
O elenco reduzido também mostra seu talento, especialmente a bela Mackenzie Davis, que comprova ser um dos nomes mais promissores de Hollywood atualmente. A pequena Brooklynn Prince também mostra que sua surpreendente atuação no drama Projeto Flórida não foi apenas um golpe de sorte e encara de frente o desafio de um papel dúbio e repleto de pequenas nuances. Já Wolfhard, bem, confesso que tenho gostado cada vez menos do jovem ator. Tenho a impressão de que Wolfhard é um daqueles atores infantis que perdem o carisma quando crescem, mas em Os Órfãos, dada a natureza de seu papel, o ator funciona bem. Até porque a ideia inicial é que o público não goste mesmo de seu personagem.

Como mencionei, 2020 será um ano interessante para os fãs de Henry James e especialmente para os admiradores de sua clássica história. Tenho a impressão de que seu conto terá sua melhor adaptação com a vindoura série da Netflix, mas isso não quer dizer que este Os Órfãos não seja um bom exemplar do horror não só para os fãs de James mas também para os entusiastas do gênero. O filme não alcança todo seu potencial, mas ainda assim é entretenimento de primeira qualidade.

Os Órfãos estreia nos cinemas brasileiros no dia 30 de janeiro.

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