De vez em quando aparece um filme cuja ambição é tão desmedida que só resta aplaudir a audácia de seus realizadores, mesmo quando você não tem certeza se o filme é bom ou não. É o caso deste Paradise Hills (ESP, 2019), que marca a estreia da roteirista e diretora espanhola Alice Waddington, que segundo a própria, vinha trabalhando em alguma versão desta mesma narrativa desde que era uma adolescente. Faz sentido, uma vez que seu filme é todo centrado em jovens mulheres, apesar do roteiro ser creditado a dois homens, o também espanhol Nacho Vigalondo (Colossal, Crimes Temporais) e Brian DeLeeuw (Daniel Isn’t Real, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli).
Assim como na trama do hit Jogos Vorazes (The Hunger Games), Paradise Hills se passa em um mundo distópico belo e colorido cuja divisão entre as castas sociais é bastante rígida e evidente. Os “Uppers” são a elite, que possuem carros voadores, usam perucas impecáveis e levam um estilo de vida luxuoso e decadente. Os “Lowers“, a quem vemos muito menos no princípio do filme, pertencem a uma casta proletariada (leia-se pobre, BEM pobre). Portanto, não importa o que você imagine sobre as vidas dos Lowers, provavelmente é ainda pior.
Os valores patriarcais continuam firmes e fortes neste futuro: a heroína, Uma (Emma Roberts, da série American Horror Story), é uma Upper prestes a se casar contra sua vontade com o desprezível magnata cujas maquinações nos negócios causaram o suicídio de seu pai. Obviamente, a garota não está nada feliz com a situação, então, sua família decide enviá-la para Paradise Hills, uma espécie de retiro que funciona em uma ilha paradisíaca isolada, e cuja principal diretriz é transformar fêmeas contestadoras em mulheres dóceis e obedientes do tipo que a sociedade aprecia e aprova.
Algumas destas mulheres são Amarna (Eiza González, de Baby Driver: Em Ritmo de Fuga), uma popstar que quer mudar sua carreira contra a vontade de seus familiares e agente; Chloe (Danielle MacDonald, do recente Skin, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), é uma jovem de boa natureza cuja família envia para a ilha para perder peso; e Yu (Awkwafina, de Oito Mulheres e eum Segredo), sofre de ansiedade. Todas as garotas são tratadas em luxuosos spas, com sessões de yoga em grupo e refeições ao estilo Alice no País das Maravilhas que contêm todo tipo de efeitos mágicos.
Porém, fica claro logo de início que o tal tratamento é muito mais insidioso do que parece à princípio, e os dois primeiros atos do filme se desdobram com uma deturpada lógica de conto de fadas e uma bizarra trama que mais parece produto de um sonho. Paradise Hills realmente tem de tudo: sessões de lavagem cerebral que acontecem em um carrossel que gira nas alturas; subtramas lésbicas que aparecem do nada; Milla Jovovich (do novo Hellboy, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli) no papel de uma enfermeira com poderes mágicos, tudo isso amarrado a uma edição que pode ser elíptica, ou apenas ser mesmo ruim. O terceiro ato, entretanto, é repleto de bem-vindas reviravoltas que sugerem novas e interessantes ideias, além da construção de um novo universo que garante ao filme um escopo muito maior do que o imaginado.
No final das contas, trata-se de um filme divertido de se olhar. Waddington tem experiência como publicitária e fotógrafa de moda, e ela utiliza suas habilidades para rechear o filme de imagens extravagantes e uma direção de arte no mínimo curiosa: irretocáveis uniformes brancos que remetem à armaduras medievais, um banquete de casamento que pega emprestado os looks de cada uma das décadas do século XX, e flores suficientes para replantar a cidade de Holambra pelo menos umas três vezes. Não sei se Paradise Hills funciona como a fábula feminina revisionista que Waddington tinha a intenção de entregar. Porém, como inspiração para as futuras gerações de cosplayers, é fantástico.
Paradise Hills não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.