Crítica: Rocketman (2019)

Rocktman

Nos calcanhares de Bohemian Rhapsody, cinebiografia do fenômeno musical Freddie Mercury e sua banda Queen, e que valeu o Oscar de Melhor Ator para Rami Malek no papel de Freddie, chega este Rocketman (UK/EUA, 2019), mais uma cinebiografia musical sobre outra lenda da música, o grande Elton John. Assim como a biopic de Mercury, cujo título remete a uma de suas mais emblemáticas canções, Rocketman também é o nome daquela que considero a mais bela e profunda canção de Elton John, um artista completo que apesar de nunca ter ganho os holofotes de maneira tão efusiva quanto seus contemporâneos David Bowie ou o próprio Mercury, por exemplo, definitivamente gravou seu nome como um dos maiores cantores e músicos da história. Com certeza ele é um dos meus favoritos pessoais.

Um dos destaques do Festival de Cannes deste ano, Rocketman foi curiosamente dirigido por Dexter Fletcher, ator de filmes como Doom: A Porta do Inferno e A Vingança Perfeita que em 2011 decidiu seguir também a carreira de diretor, e que no ano passado co-dirigiu o próprio Bohemian Rhapsody. Na verdade, Fletcher assumiu a direção sem ser creditado, quando foi escalado pelos executivos dos estúdios Fox para substituir o diretor Bryan Singer, que além de ter causado diversos problemas no set durante as filmagens, ainda teve seu nome envolvido em um escândalo de assédio sexual. Vale ressaltar que Singer continua na geladeira e não tem previsão para sair de lá.

A questão é que ambos os filmes são dramaticamente bastante diferentes, o que acaba favorecendo este Rocketman. Enquanto que Bohemian Rhapsody funciona como uma cinebiografia padrão, com cenas de gravações e concertos costuradas aos eventos da vida de Freddie Mercury, Rocketman usa uma abordagem mais ousada e até selvagem, uma vez que o filme consiste em um musical que utiliza dezenas de canções de Elton John para contar sua história, misturando livremente realidade e fantasia.

Este tipo de abordagem é chamada de “jukebox musical“, algo semelhante ao que Mamma Mia! fez ao homenagear o grupo Abba sob a direção de Phyllida Lloyd em 2008, ou mesmo alguns shows da Broadway que utilizam a música de um artista para contar sua história, como por exemplo o espetáculo Jersey Boys, que mostra a trajetória de Frank Valli e The Four Seasons, e inclusive ganhou uma bela versão para o cinema dirigida por Clint Eastwood em 2014. Mas Rocketman é sobre Elton John, o que significa que tudo é maior, mais exagerado e extravagante do que qualquer uma das obras citadas. O filme é mais divertido também, ao menos quando não abraça o melodrama que permeia muitas das cenas que não envolvem a loucura de seus números musicais. E alguns destes números, falando honestamente, distraem mais do que outros.

Assim como acontece com Bohemian Rhapsody, muito do que vemos nas telas em Rocketman não reflete realmente o que aconteceu na vida real, contudo, neste caso, nem precisaria. Elton é um artista cujo trabalho sempre abraçou a fantasia e a fuga em álbuns como “Goodbye Yellow Brick Road” e “Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy”, e o filme acompanha tal tendência à risca, como na sequência em que a raiva de Elton com relação à seu parceiro compositor, Bernie Taupin, se materializa na canção “Tiny Dancer“, uma das mais belas de sua carreira. Inclusive, esta com certeza é a segunda melhor utilização de “Tiny Dancer” em uma produção cinematográfica, ainda que fique bem distante da maravilhosa cena que o diretor Cameron Crowe criou para o filme Quase Famosos, onde também utiliza a canção.

Como alguém que detestou Bohemian Rhapsody por suas deploráveis inverdades com o intuito de dar à vida de Freddie Mercury um arco narrativo mais convencional, sou totalmente capaz de respeitar uma cinebiografia que anuncia desde o início que não deve ser levada a sério como um relato do que realmente aconteceu. Então, ainda que eu lute para aceitar uma narrativa que utiliza canções que só viriam a ser escritas anos depois, eu entendo as regras do jogo. E se o que vemos na tela carrega um pouco da poesia maluca e da vibe com que Elton se apresentava na época, para mim é o que importa.

O filme se desenrola em cima de uma das idas de Elton à reabilitação, onde ele conta sua história de vida para um grupo de colegas alcoólatras e viciados. No final das contas (e como podemos acompanhar ao longo das duas horas do filme), seu pai era horrível e frio, sua mãe era horrível e egoísta, seu gerente e amante John Reid era horrível e insensível, e o próprio Elton agia de maneira bem horrível também, só que nós gostamos dele porque, ei, ele é o Elton John! O real problema, entretanto, é que Elton não conseguia amar nem a si mesmo, um diagnóstico que acaba não surpreendendo ninguém, principalmente aqueles que conhecem o passado de alcoolismo e drogas do cantor.

Devido ao fato de que Elton desenvolveu a melodia para suas canções e Bernie Taupin (na maioria das vezes) escreveu as letras, Rocketman assume a arriscada tarefa de tentar justificar a autobiografia de Elton, porém em letras que foram escritas por outra pessoa. Às vezes funciona, e acaba rendendo momentos genuinamente tocantes, como a cena em que Elton escreve sua primeira grande canção, “Your Song“, enquanto sua mãe, sua avó e Bernie constatam ao vivo o tamanho da realização dele como artista. Outras vezes, no entanto, assim como acontece com a música de Elton John, as letras são secundárias em relação às melodias e ao espetáculo. E no caso deste Rocketman, secundárias também às estonteantes e furiosas coreografias do filme

Taron Egerton (Kingsman: Serviço Secreto, Voando Alto), está excelente no papel principal. Ele mesmo interpreta as canções no filme, e faz um belo trabalho sem cair na armadilha da imitação. O jovem ator mantém sua interpretação fiel ao estilo de Elton, sem capturar o tom específico da voz do cantor. Taron consegue persuadir o público de que ele é alguma versão de Elton, mesmo sem parecer muito com ele fisicamente. Jamie Bell (do drama Donnybrook, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), é muitas vezes a voz da razão no papel de Bernie Taupin, que acaba por ser o grande amor da vida de Elton (mas não da maneira que você está pensando).

Em Rocketman tudo é grandioso, divertido e cafona. Exatamente como a figura a quem o filme homenageia. Trata-se de uma fantasia musical que almeja o topo e chega lá o suficiente para tornar o filme divertido mas também levemente frustrante. Os últimos anos foram um período fértil para os musicais indie, e tanto em filmes como Apenas uma Vez (Once, 2007), Sing Street: Música e Sonho (2016), ambos dirigidos pelo irlandês John Carney, e no vindouro Blinded by the Light, a sutileza é um diferencial e facilita o surgimento da emoção em seu público. Já Rocketman possui um escopo tão maior e ousado, que fica difícil encontrar o verdadeiro coração do filme. Mas se na pior das hipóteses você realmente não embarcar na proposta do filme, fique tranquilo; a trilha sonora vale cada centavo do ingresso.

Rocketman estreia nos cinemas brasileiros no dia 30 de Maio.

2 respostas

  1. Então, se é para ser original e criativo, por que usar do expediente fácil de se apoiar nos sucessos mundiais de Elton John? Ao invés de uma colcha de retalhos muito conveniente, melhor seria usar única e exclusivamente o repertório de “Captain Fantastic” solenemente ignorado no filme), que narra a história da dupla Elton & Bernie em letras delirantes, bem compatíveis com o estilo que o diretor quis imprimir ao filme, numa flagrante imitação do colega Ken Russel (Tommy, etc.).
    Agora, omitir o produtor Gus Dudgeon e a Elton John Band foi um verdadeiro crime! Imaginem a frustração do genial guitarrista Davey Johnstone ao assistir a premiére (será que ele foi convidado ou só serve para tocar?)
    Ainda está por vir o filme que faça jus à originalidade de Elton John & Bernie Taupin, com menos sexo e mais rock-and-roll!

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