Crítica: Stan & Ollie (2018)

Stan & Ollie

Se eu fosse escolher dentro do âmbito da televisão e do meio cinematográfico qual o meu comediante ou show/filme cômico favorito, desde os mais antigos aos atuais, minha resposta seria O Gordo e o Magro. Além do fato da dupla formada por Stan Laurel e Oliver Hardy me arrancar gargalhadas contínuas com seus sketches e filmes, a dupla permeia a minha memória afetiva, pois me lembro com carinho do tempo em que era criança, e de acompanhar o programa deles nas madrugadas da TV Bandeirantes ao lado dos meus pais e avô. Pouca coisa no mundo me divertia mais do que aqueles momentos. A eterna dupla de comediantes ganha uma delicada eulogia/homenagem com esta cinebiografia Stan & Ollie (UK/CAN/EUA, 2018), produção que nunca chega a ser engraçada como o esperado, mas que carrega consigo uma bonita gama de emoções. Com maravilhosas performances de Steve Coogan (como Laurel) e John C. Reilly (como Hardy), trata-se de um filme que vai muito além da comédia pura e simples, e que se consagra como uma bonita e até surpreendente história de amizade e lealdade.

O diretor Jon S. Baird (Filth, 2013) e o roteirista Jeff Pope (do excelente drama Philomena, 2013), exploram o curioso processo que fez com que os dois comediantes, em suas vidas pessoais e através da relação de um com o outro, se tornaram idênticos aos personagens que interpretavam frentes às câmeras. O filme segue Stan e Ollie em uma turnê pela Inglaterra em 1953, já no fim de suas carreiras, enquanto viajam de Newcastle para Glasgow, hospedando-se em pousadas cujo nível está longe do glamour da época do ápice do sucesso da dupla. O agente dos dois, o picareta Bernie Delfont (Rufus Jones, de O Estrangeiro, 2017), está bem mais interessado em seus novos clientes do que em ajudar uma dupla de velhotes como Laurel e Hardy.

Um pequeno prelúdio ambientado na Hollywood de 1937, lembra ao público que apenas alguns anos antes, Laurel e Hardy eram as maiores estrelas da comédia mundial. Em uma brilhante tomada única, Baird mostra a dupla circulando pelos camarins e estúdios onde todos os adoram e param para cumprimentá-los. Quando eles finalmente chegam ao set, eles são recebidos por seu produtor, o arrogante Hal Roach (Danny Huston, de Mulher-Maravilha).

Stan, muito mais esperto para os negócios do que seu parceiro, está bem ciente de que eles ganham consideravelmente menos do que Chaplin e outras estrelas da comédia, como Buster Keaton e Harold Lloyd. Stan está disposto a romper a parceria com Roach e seguir em frente, mas Ollie é tímido demais para fazer o mesmo. Os reflexos das escolhas feitas pela dupla relacionadas às suas carreiras, levam a trama de volta aos idos de 53, em Londres, onde os comediantes tentam reviver suas carreiras. Se os shows da dupla performarem bem o suficiente, eles esperam poder fazer um novo filme. Contudo, eles nunca chegaram a fazê-lo.

Reilly e Coogan capturam de maneira brilhante os maneirismos e tiques verbais de seus personagens sem nunca cair na caricatura. O departamento de maquiagem fez maravilhas ao “engordar” Reilly ao ponto de dar-lhe um enorme queixo duplo, tão visualmente evidente no Oliver real. Coogan, por sua vez, usa seu rosto magro para incorporar com maestria o olhar infeliz de garotinho perdido e o coçar de cabeça que eram marcas registradas do trabalho de Laurel. Numa sequência que subitamente me emocionou bastante, eles cantam e dançam a canção “Blue Ridge Mountains of Virginia” com tamanha graça e classe cômica, que fica impossível não se espantar com as semelhanças entre Reilly e Coogan e os verdadeiros Laurel e Hardy.

Aos poucos, o filme vai ganhando um tom triste, à medida em que Laurel e Hardy são forçados a atuar em alguns bicos publicitários, como serem jurados de um concurso de beleza ou ajudarem crianças a atravessar a rua, para assim tentar aumentar a venda dos ingressos de seus shows. Algumas destas gags são explícitas, como a cena em que os comediantes arrastam um enorme baú por um lance de escadas apenas para referenciar o curta da dupla ganhador do Oscar, Dois Músicos Desafinados (The Music Box, 1932). Em outra sequência, Stan é humilhado quando o produtor britânico que financiaria seu novo filme nem sequer se dá ao trabalho de encontrá-lo para uma reunião. Numa cena emblemática, um dos comediantes é mostrado enquanto olha em assombro, para um pôster gigantesco do novo filme de outra dupla de sucesso que viria a seguir, Abbott e Costello.

Em um dado momento do filme, as esposas dos comediantes dão as caras na história. Shirley Henderson (de Okja, cuja crítica está disponível aqui no Portal do Andreoli), interpreta a afetada porém afetuosa Sra. Hardy, enquanto que Nina Arianda (de Florence: Quem é Essa Mulher?, 2016), é Ida Kitaeva, a durona parceira de Stan, uma ex-dançarina e atriz que conta para todo mundo que conhece as mesmas histórias sobre seu passado glorioso. Henderson e Ariana são uma dupla por si só, e também têm os seus momentos cômicos, mas são engolidas sempre que Stan e Ollie estão em cena.

A única relação que realmente importa no filme é a relação dos dois protagonistas. Assim como em todo “buddy movie” que se preze, os dois amigos também têm seus momentos mais turbulentos. Stan acusa Ollie de ser um preguiçoso que deu a sorte de encontrar um parceiro que faz tudo por ele. Ollie diz que Stan é emocionalmente vazio e não é um amigo de verdade. Contudo, quanto mais os dois reclamam um do outro, mais evidente fica que eles não conseguem viver separados.

O diretor Baird arranca cada gota de humanidade que ele consegue de seu material. Laurel e Hardy, duas das mais amadas figuras da história do cinema, são vistos aqui em seu ponto mais baixo. Eles estão ficando velhos, e não são mais bancáveis o suficiente como estrelas de cinema. Entretanto, como o filme mostra tão bem, a magia entre os dois nunca se dissipa. Tanto que permanece até hoje. Ao contrário das maravilhosas comédias estreladas por estes dois gênios, Stan & Ollie não vai arrancar gargalhadas de seu público, mas sua abordagem honesta e emocionante é infinitamente agradável e inspiradora.

Stan & Ollie ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, mas deve ganhar uma data neste primeiro semestre de 2019.

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