Crítica: The Dead Center (2019)

Em uma sala dentro de um hospital não definido, o cadáver de um homem se levanta, rasga o body bag que o envolve, e em seguida sai procurando desesperadamente por uma cama onde possa esquentar o seu corpo. Ele não pode falar, ainda, mas as sensações estão retornando gradativamente, mesmo que suas percepções pareçam filtradas em meio a muito barulho e caos. Surge em cena o Dr. Forrester (Shane Carruth), que assim como qualquer pessoa, não estava preparado para algo do tipo. Porém, ele é o único que parece perceber que algo nesta história é exponencialmente pior do que apenas um erro do legista.

Em sua primeira hora de duração, The Dead Center (EUA, 2019), tanto em seu título como em seu conteúdo, sugere que sua narrativa talvez seja aquela origin story da série The Walking Dead a qual nunca conheceremos. Contudo, aos poucos o filme revela-se algo mais: assim como os filmes dirigidos por seu ator protagonista, o também diretor Carruth (dos extremamente cerebrais Primer e Upstream Color), The Dead Center claramente trabalha com uma mitologia muito maior por trás de sua narrativa. Porém não espere que o filme dê tudo mastigado; a produção deixa o espectador livre para preencher sozinho as lacunas de acordo com suas próprias conclusões.


Isso não quer dizer que o filme não tenha suas próprias cartas na manga para mostrar e ilustrar ao espectador a extensão do que está sendo visto em cena. Os fãs do horror com certeza não se sentirão enganados e nem terão a impressão de estarem sendo conduzidos a um território excessivamente familiar. Assim como em sua estreia como diretor com o interessante conto sobre bebês clonados e sem alma, Closer to God (2014), o diretor Billy Senese prova ser um dos mais promissores nomes do terror atual, especialmente quando falamos de body horror, subgênero anteriormente dominado pelo grande David Cronenberg. A abordagem de Senese, entretanto, é mais pé no chão, e utiliza-se de cenários realistas, fotografia de câmera na mão e uma iluminação natural que cria uma sensação onde o espectador parece estar presente nas cenas, numa experiência aterrorizantemente imersiva.

Carruth, que construiu uma certa reputação em sua breve carreira como diretor, procura agora construir também sua carreira como ator, ainda que ele pareça gravitar ao redor de filmes que combinem com sua personalidade única e oblíqua como artista. Sua naturalidade como performer é sua força; com seu visual de “um cara qualquer”, ele é difícil de ser reconhecido de filme para filme. Trata-se de um ator que não carrega consigo a menor vocação para ser uma estrela, e pode personificar com maestria a persona do cara comum. É precisamente este “cara comum”, cujo destino em um filme de terror não está pré-determinado, que ajuda este The Dead Center a funcionar tão bem.

Num dado momento da história, o Dr. Forrester recebe o que parece ser algum tipo de transmissão mental do homem que morreu e possivelmente voltou à vida, a quem eles chamam de João Ninguém (Jeremy Childs, do citado Closer to God), e as coisas começam a sair do controle. Há muito mais acontecendo além de mordidas de zumbis, e o misterioso paciente, uma vez que finalmente consegue voltar a falar e imediatamente implora para ser morto, desencadeia uma horripilante sequência de eventos. Apenas Forrester e o legista que determinou o primeiro diagnóstico do paciente em questão, têm uma real ideia do mal com o qual estão lidando, e isso inclui o público, que também tem apenas uma vaga ideia da situação como um todo graças à alguns flashes e algumas dicas. Mas nunca a história toda. Parte do estilo imersivo de Senese é nos dar apenas os detalhes que nós saberíamos se estivéssemos vivenciado estes eventos em tempo real.

E definitivamente, o filme soa real: A iluminação e as cenas do hospital remetem à um tom de amarelo enjoativo, que aumenta a sensação de desconforto do espectador; quando o clímax da história nos leva aos subúrbios, a única iluminação são dos postes de luz e sirenes da polícia. As aterrorizantes visões que atormentam Forrester e seu misterioso paciente contrastam com a fotografia sem vida do filme, inserindo flashes em um preto e branco vívido e acompanhados de uma câmera tremida e ruídos insuportáveis que evidenciam a súbita desconexão com os eventos que estão realmente acontecendo. E fique tranquilo, pois apesar de eu ter mencionado que este não é simplesmente um filme sobre zumbis, o mesmo não deixa de ser sangrento como um.

The Dead Center termina em uma nota tão alta que me deixou salivando por uma sequência. Na verdade, estou ansioso pelo próximo trabalho do diretor Senese, seja ele qual for. Melhor ainda se, assim como este Dead Center, conseguir me deixar acordado à noite.

The Dead Center não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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