Crítica: The Field Guide to Evil (2018)

The Field Guide to Evil

Ah, as antologias de horror… acho que não é segredo para ninguém que segue meus textos de que meu gênero cinematográfico e literário preferido é o horror. Mas o que talvez pouca gente saiba é que dentro do horror, existe um subgênero que eu aprecio ainda mais: as antologias. Para quem não está familiarizado com o termo, uma antologia consiste em uma coletânea de contos ou segmentos, geralmente amarrados juntos por um mesmo tema central. Isso também acontece com as séries de TV, por exemplo na série Black Mirror, em que diferentes episódios com suas próprias narrativas, estão amarrados juntos através do tema da tecnologia.

Acho que minha predileção por este subgênero vem de minha afeição por antigas séries de TV clássicas que consistiam em antologias do horror, fantasia e ficção-científica, como a genial Além da Imaginação (The Twilight Zone), e as divertidas Suspense com Alfred Hitchcock e The Outer Limits; além de minha fixação pelas coletâneas de contos do mestre Stephen King, como Tripulação de Esqueletos, As Quatro Estações, Pesadelos e Paisagens Noturnas, entre muitas outras. Para quem quiser se informar um pouquinho mais sobre o tema, deixo o convite para que confiram aqui mesmo no Portal do Andreoli minhas críticas de outras três antologias de horror: XX, Ghost Stories e Nightmare Cinema. Você não vai se arrepender.

Mesmo que nenhum dos oito segmentos desta nova antologia de terror, The Field Guide to Evil (NZE, 2018), agradem à você espectador, é inegável que a motivação por trás do projeto envolve um fascinante conceito. Uma espécie de “sucessor espiritual” das antologias Os ABCs da Morte (The ABCs of Death), The Field Guide to Evil reúne nove diretores conhecidos da cena do horror indie e os coloca para criar pequenos contos baseados no folclore específico de seus países de origem. O que é ainda mais intrigante é o fato de que o filme aborda lendas pouco conhecidas, mesmo pelos residentes destas regiões. Os tradicionais vampiros romenos, fantasmas japoneses e o pé-grande escandinavo dão lugar à um “Trud” austríaco, um “drude” alemão e um “djinn” (demônio) turco, entre outros.

Os mais familiarizados ao cinema de vanguarda do horror europeu, como o violento Baskin (2015), e o soturno Boa Noite, Mamãe (Goodnight Mommy, 2015), para mencionar apenas alguns, terão pelo menos um ponto de referência para o estilo que os aguarda aqui. Esta eclética e excêntrica reunião de cineastas internacionais, que traz inclusive os diretores dos filmes citados acima; o turco Can Evrenol, de Baskin (e do horror Housewife, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), e da dupla Veronika Franz e Severin Fiala, de Boa Noite, Mamãe; acaba por criar um conteúdo de horror arthouse alegórico, longe do terror violento e carregado de sustos que estamos acostumados a ver por aí.

Todos os oito segmentos, no geral, apresentam uma mesma estética visual caprichada, transportando o público para países e períodos pouco explorados no cinema. Muitos deles, porém, são prejudicados pelo excesso de ambiguidade, uma vez que The Field Guide to Evil apresenta diversas narrativas com o selo “tire suas próprias conclusões” estampado na produção. Por isso, alguns segmentos acabam por ser bem frustrantes. Quem se sai bem é o citado Can Evrenol, que aplica um golpe na jugular com sua porrada “Haunted by Al Karisi“, assim como “Beware the Melonheads“, do diretor americano Calvin Reeder (do recente The Rambler), termina por ser o conto mais engraçado de todo o filme, até que de maneira intencional, o que o transforma numa espécie de “ovelha negra” da produção.

Outros dois bons segmentos do filme são “Whatever Happened to Panagas the Pagan?” e “The Palace of Horrors“, do indiano Ashim Ahluwalia (de Daddy, 2017). O primeiro, ambientado na Grécia de 1984, mostra um estranho goblin se metendo em uma enrascada envolvendo outras criaturas; já o segundo, ambientado na Índia do ano de 1913, entrega uma atmosfera ao estilo do mestre H.P. Lovecraft, ao retratar a história de um mercador que ao fazer uma visita à um castelo habitado por um rei ensandecido, acaba vendo o que não deve. Em ambos os casos, as conclusões não agradam totalmente, mas a insana execução e atmosfera extremamente bem concebida de ambos os episódios, fazem a perturbadora experiência valer a pena.

Neste ponto da produção, o espectador já sente o peso das duas horas de duração do filme, e em certos momentos mais arrastados, a produção chega a testar a paciência do público. Mas felizmente, The Field Guide to Evil deixa o melhor segmento por último; “Cobblers’ Lot” captura com maestria a verdadeira natureza da produção, mesmo sendo um segmento mudo. Contando um sinistro conto de fadas sobre dois irmãos sapateiros que lutam pelo amor de uma princesa, o diretor húngaro Peter Strickland (do vindouro horror In Fabric), termina o filme em uma nota um pouco mais leve, mas que carrega uma moral deliciosamente demente.

Como é de se esperar em antologias que lidam com uma variada lista de cineastas trabalhando separadamente, as coisas dificilmente fluem de maneira uniforme tanto em qualidade como em intensidade, o que resulta em uma experiência inconsistente que não tem como agradar a todos. Ainda que alguns destes experimentos cinematográficos são esquecidos assim que terminam, é justo dizer que todos eles são esforços espertos e sinceros dentro do gênero, e tal fato garante um brilho para a produção como um todo. The Field Guide to Evil pode não ter pernas muito longas, mas sua tenacidade em defender o horror com talento e criatividade são suficientes para merecer a lembrança do espectador.

The Field Guide to Evil não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

https://www.youtube.com/watch?v=aaJDA24est8

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