Crítica: The Mustang (2019)

The Mustang

Nos momentos iniciais deste The Mustang (FRA/EUA, 2019), um grupo de cavalos selvagens descansa em uma vasta planície digna dos antigos westerns, em completo silêncio. O silêncio é rompido, entretanto, quando um helicóptero passa em vôo rasante, com a intenção de reunir os animais e levá-los ao curral onde eventualmente serão domados e treinados por um grupo de detentos de uma prisão do estado de Nevada, eles próprios tão prisioneiros quanto os cavalos que irão treinar.

Como já era de se esperar, o protagonista de The Mustang é um destes detentos: Roman Coleman, interpretado pelo cada vez melhor Matthias Schoenaerts (Ferrugem e Osso, Operação Red Sparrow), um brucutu silencioso que se mantém preso por vontade própria, sem a mínima intenção de algum dia retornar para o convívio em sociedade. Independente das intenções de Coleman, a nova instituição carcerária de Roman tem outros planos para ele. Ele é colocado no programa de reabilitação mencionado acima, que consiste em utilizar o trabalho carcerário para preparar cavalos para leilões públicos. Deste ponto em diante, um controverso laço começa a se formar entre não só Roman e o cavalo de sua escolha (um mustangue selvagem de temperamento feroz), mas também entre Roman e seus companheiros de cárcere, como também entre ele e sua filha adolescente que o visita de tempos em tempos.

The Mustang transcorre sob uma variedade de vibrações emocionais e abstratas, reminiscente de outros filmes recentes sobre o tema, como Domando o Destino (The Rider, 2017) e principalmente A Rota Selvagem (Lean on Pete, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli). A raiva e agressividade, a tristeza e a inutilidade da condição humana são expressas de maneira eficiente, através de um cenário natural que desafia nosso mundo hoje moldado pela tecnologia. The Mustang é uma experiência cinematográfica bem trabalhada, de bom ritmo e filmada de maneira memorável, que deságua em algumas sequências-chave de resultado absolutamente brilhante, tanto no plano real como no metafórico.

Entretanto, a dinâmica em cima da trama de The Mustang poderia ser um pouco mais inventiva ou mesmo comovente, ainda mais por se apoiar na mais uma vez forte e equilibrada performance de Schoenaerts. Em um duro momento no início do filme, Roman recorre à uma explosão de crueldade animal pela qual ele é imediatamente repreendido, mas seu subsequente acerto de contas utiliza-se do template padrão ao qual estamos bastante acostumados a ver neste tipo de filme. A diferença é que desta vez, ao invés da narrativa mostrar a relação entre “um garoto e seu cavalo”, temos dois companheiros de cativeiro.

Os melhores momentos do filme consistem na combinação entre seus personagens, já que vários atores de peso interpretam personagens que tentam abrir uma fenda no ódio que Roman sente por ele próprio. Henry (interpretado por Jason Mitchell, do drama Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi, cuja crítica está disponível aqui no Portal do Andreoli), é o primeiro a tentar mostrar para Roman os esquemas que envolvem o treino dos cavalos, e Mitchell acaba servindo como uma bastante necessária dose extra de energia na opressiva narrativa da produção.

O sempre competente veterano Bruce Dern (Os Oito Odiados, Nebraska), também entrega mais um bom trabalho que equilibra a dureza de seu personagem com a empatia que o público desenvolve por ele. Os personagens certamente tem algumas coisas importantes para dizer, ao menos quando recebem algum diálogo decente para fazê-lo, o que nem sempre acontece. Entretanto, é a estrutura do filme que acaba por ser o ponto mais fraco da produção. Especialmente a figura da experiente atriz Connie Britton (da recente série da Netflix, Dirty John: O Golpe do Amor), que interpreta uma psicóloga que parece ser completamente esquecida em uma cena crucial próximo do final do filme.

Ainda assim, trata-se de uma impressionante estreia por parte da diretora Laure de Clermont-Tonnerre, atriz francesa que recentemente fez alguns trabalhos na televisão. Clermont-Tonnerre também co-escreveu o filme ao lado de Mona Fastvold (O Sonâmbulo, 2014) e Brock Norman Brock (do sólido Bronson, 2008). É bem possível que você também reconheça o trabalho de fotografia à cargo de Ruben Impens, conhecido por outras colaborações na Europa e na América. Recentemente, Impens foi o responsável pela fotografia do cult indie Dirty God (2019), e também do drama Beautiful Boy (2018), além do hit cult Raw (Grave, 2016). Seu trabalho aqui impressiona, especialmente pela maneira com que captura os limites do confinamento de uma cela de prisão, sem exagerar no sentimentalismo. Vale ressaltar que você também encontra as críticas de Beautiful Boy e Raw aqui no Portal do Andreoli.

Com tanto talento envolvido, não é de se admirar que o filme de longe supere seu instável roteiro, ainda que a mensagem que guia este The Mustang seja um tanto confusa. O filme parece querer que o público pondere sobre os efeitos da reabilitação, mas também sobre como nervosas criaturas de diferentes formas e tamanhos deveriam ser livres, tanto para a vida em sociedade como em suas próprias existências. The Mustang entrega um final bastante conclusivo, ainda que não seja uma resposta potente para sua própria questão central, que discorre sobre as forças internas e externas que nos une.

The Mustang ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, mas deve ganhar uma data de lançamento em breve.

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