Crítica: The Old Man & The Gun (2018)

The Old Man & The Gun

Antes da crítica em si, um breve testemunho: Lá pelos meados dos anos oitenta, na mesma época do boom do VHS no Brasil, foi quando comecei a descobrir uma das maiores paixões da minha vida: o cinema. Eu tinha meus oito, nove anos de idade, e meus ídolos eram Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone, simplesmente pelo fato de que O Predador e Rocky IV eram os principais filmes disponíveis nas locadoras nesta época. Eu reprisava esses filmes diariamente, assim como alguns outros exemplares do cinema de ação e aventura que viriam logo depois, como por exemplo as franquias Karatê Kid e Indiana Jones. Êta época boa…

Entretanto, me lembro nitidamente de um dia, quando meu pai alugou um filme na locadora perto de casa e resolveu assistir. Eu já todo empolgado me coloquei a perguntar que filme era e meu pai respondeu que era um filme que ele tinha visto no cinema anos atrás, e que eu provavelmente não iria gostar. O filme era o western dramático Mais Forte Que a Vingança (Jeremiah Johnson), filme dirigido pelo falecido Sidney Pollack em 1972, e protagonizado por Robert Redford. Realmente quando o filme começou, não chamou minha atenção, afinal, não é mesmo um filme que tem atrativos para uma criança. Contudo, algo me prendeu, e surpreendentemente (até para o meu pai, creio eu), eu assisti o filme inteiro. E gostei muito! Pouco tempo depois, outro momento semelhante ocorreu com o filme Um Homem Fora de Série (The Natural, 1984), filme protagonizado por quem?? Robert Redford mais uma vez.

O motivo deste breve testemunho é para ilustrar que Redford, desde aquele dia na década de oitenta, passou a ser figura presente na minha memória afetiva de cinéfilo, e sua carreira tem sido acompanhada por mim com afinco, desde então. Logo, é com uma pitada de tristeza e saudosismo que tenho a possibilidade de escrever uma crítica de seu filme de despedida antes de sua aposentadoria do cinema, este The Old Man & The Gun (EUA, 2018), uma verdadeira carta de amor a esta lenda cinematográfica, que serve como um perfeito filme de encerramento da carreira de um profissional que há muito deixou de ser apenas um ator e se tornou um ícone.

Escrito e dirigido pelo cada vez mais promissor David Lowery (do drama A Ghost Story, cuja crítica campeã de acessos na internet você também encontra aqui no Portal do Andreoli), The Old Man & The Gun conta a história de Forrest Tucker (Redford), um velho criminoso que ao longo da carreira já foi preso mais de 18 vezes, começando dos seus 15 anos de idade, sendo que o próprio escapou da maioria das prisões que tentaram segurá-lo (há inclusive uma montagem mostrando suas fugas que é um tremendo deleite, principalmente pelo fato da sequência utilizar algumas cenas clássicas de outros filmes da carreira de Redford).

Quando o público é apresentado à ele, próximo do fim de sua carreira criminal, Tucker está engajado na modalidade de assaltos à bancos, ao lado de dois parceiros tão “imberbes” quanto ele, interpretados por Danny Glover e Tom Waits. Forrest, um cavalheiro nato, rouba bancos apenas abrindo seu paletó e mostrando uma arma e proferindo palavras gentis à suas vítimas. Tucker é o tipo de assaltante que diz para uma caixa de banco que ela está indo bem, quando esta começa a chorar enquanto pega o dinheiro. Forrest é cativante, e sua confiança em seu charme é tão grande quanto em sua arma. Lowery nem mesmo chega a mostrar a arma quando Forrest abre seu paletó, mantendo a câmera na altura dos ombros do assaltante. Seus olhos azuis e seu sorriso são suas verdadeiras armas.

Os dias finais de Forrest e seus companheiros de crime (juntos eles são conhecidos como “The Over the Hill Gang”), contam com a participação de dois personagens coadjuvantes. A primeira é Jewel (a também lendária Sissy Spacek, a eterna Carrie: A Estranha original), a quem Forrest vem a conhecer quando seu carro quebra à beira de uma estrada. Ele nutre um sentimento por ela, chegando até a contar para ela o que faz, ainda que ela não acredite nele. Os dois costumam sentar em uma lanchonete, e o resultado destes encontros é pura magia cinematográfica. Há algo nestas cenas entre Redford e Spacek que é impossível recriar com quaisquer outros intérpretes, e Lowery sabe disso. Ele se aproveita da magia do momento, constatando que ele tem a felicidade de estar ali para capturar algo atemporal e até um pouco fora de seu controle. Sinceramente, eu poderia assistir aos dois apenas rindo e conversando por horas a fio.

O segundo personagem é John (Casey Affleck, do citado A Ghost Story), no papel do policial à cargo da investigação em torno dos crimes de Forrest. Ele inclusive é o primeiro a perceber que trata-se de uma série de roubos perpetrada por uma mesma pessoa. A gangue de Tucker rouba bancos em diferentes estados e geralmente leva valores pequenos, enquanto Hunt os segue pelo país, incansavelmente. Affleck também está ótimo, no papel de um tira que não faz o que faz pelo dinheiro, mas sim devido à sua impetuosidade e também porque ele é bom no que faz.

Lowery e sua equipe, especialmente o diretor de fotografia Joe Anderson (do drama Christine, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), e o compositor Daniel Hart (de Meu Amigo, O Dragão, 2016), dão à The Old Man & The Gun a cara do período que sua trama retrata. Trata-se de um filme que não apenas se passa em uma outra era, mas que parece ter sido feito em uma outra era também. Ambientada em 1981, a produção é toda filmada em câmeras Arriflex 16 mm, que dão aquele gostoso aspecto retrô ao filme, que também traz uma trilha-sonora e uma linguagem cinematográfica muito diferente do que estamos acostumados a ver no cinema hoje em dia, o que aumenta o aspecto mágico, atemporal de todo o projeto. The Old Man & The Gun é a tradução certeira daquela velha frase “Não se fazem mais filmes como antigamente”

No final das contas, esta é uma história sobre uma lenda, sobre alguém que claramente queria que sua vida fosse contada por pessoas sentadas em varandas e bebendo uma cervejinha. Lowery, sabiamente, aumenta o charme da “atitude de fora-da-lei” da produção, resultando em um filme leve, mas que leva à reflexão. Talvez seja numa frase de algum diálogo, numa imagem do charme de Redford ou na risada de Spacek, ou mesmo na atitude de Affleck. The Old Man & The Gun é um daqueles filmes que sorrateiramente se apossa da memória do espectador. Como o próprio Forrest, ele se recusa a partir. E como o próprio Redford, é inesquecível.

Sentirei saudade.

The Old Man & The Gun ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, mas deve ganhar um lançamento nos próximos meses.

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