Crítica: Um Homem Chamado Ove (A Man Called Ove)

Um de meus filmes preferidos é uma pequena produção holandesa, de 2013, chamada A Montanha Matterhorn, que conta a história de um cinquentão rabugento que vê sua vida virar de cabeça para baixo com a entrada em cena de um morador de rua, que mesmo sem proferir uma só palavra, acaba por exercer uma imensurável transformação em sua personalidade, dando um novo rumo para seu futuro. Esta mesma fórmula repete-se em mais uma pequena produção européia, desta vez oriunda da Suécia, neste simpático Um Homem Chamado Ove (A Man Called Ove/En Man Som Heter Ove, Suécia, 2016), representante oficial do país para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2017. O filme já está entre os nove finalistas para a premiação, e é cotado como um certo integrante da lista final, com os cinco concorrentes selecionados pelos membros da Academia.

Assim como em Matterhorn, o filme escrito e dirigido pelo também sueco Hannes Holm (da comédia Família Andersson na Grécia, 2012), baseado no livro de Fredrik Backman, também traz como protagonista um cinquentão, bem, o quase sessentão Ove (o ótimo Rolf Lassgård, de Depois do Casamento, 2006), um viúvo turrão e metódico, que controla o condomínio onde mora com disciplina militar, para desgosto dos outros moradores. Após 43 anos trabalhando para uma companhia ferroviária na cidadezinha de Trollhättan, Ove acaba sendo dispensado, e sem perspectivas reais para o futuro, começa a pensar até em suicídio. Entretanto, sua vida começa a mudar com a chegada de uma nova e barulhenta família ao condomínio onde mora, especialmente a esquentada imigrante iraniana Parvaneh (Bahar Pars), que não se sente nem um pouco intimidada com os rompantes do velho.

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Apesar da ideia central batida e do desenrolar um tanto previsível, Um Homem Chamado Ove compensa sua premissa sem novidades com uma enorme quantidade de simpatia e bom coração em sua narrativa, além de um grupo de personagens coadjuvantes que fazem o contraponto perfeito com a figura mal-humorada do protagonista. E neste grupo incluo inclusive um gato que aparece na frente da casa de Ove, e que acaba sendo um dos fatores das mudanças de atitude do velho ranzinza.

Outra grande qualidade da produção está no cuidadoso e sensível roteiro do próprio Holm, que introduz diversas sequências de flashback relativas ao protagonista, sem nunca cansar ou abusar do sentimentalismo. A figura da belíssima atriz Ida Engvoll, no papel de Sonja, a esposa do personagem central, é sempre muito bem utilizada, especialmente nas sequências que retratam o casal se conhecendo. A cena do primeiro jantar de Ove e Sonja é tão bem desenvolvida, que emociona genuinamente. O mesmo pode ser dito dos flashbacks que mostram a relação entre Ove ainda jovem e seu pai, todos sempre muito bem utilizados.

A produção também carrega um humor afiado, principalmente envolvendo as ideias suicidas do protagonista, que rendem algumas boas gargalhadas. Contudo, são os momentos que evidenciam as mudanças no coração ressecado do sisudo Ove que garantem ao filme seus pontos mais altos. A maneira com que Holm utiliza-se do envolvimento de Ove com as pessoas mais próximas dele, e de como a mudança de atitude do protagonista os influencia diretamente, aquecem o coração e evidenciam que não há substituto para o caráter humano, mesmo quando este existe encoberto pelas dores e decisões amargas do passado. É esta sensibilidade latente, aliada à performance sensacional do veterano Rolf Lassgård, que faz de Um Homem Chamado Ove um dos melhores exemplares cinematográficos do ano, que emociona e cativa o espectador a todo momento. Vale ressaltar também a excelente fotografia à cargo de Göran Hallberg, o que acaba sendo clichê, visto que as produções europeias tem dado um banho no quesito fotográfico nos últimos anos.

Mais uma pequena produção europeia que utiliza-se da transformação do indivíduo como ferramenta para provocar as mais gostosas e honestas emoções em seu público, Um Homem Chamado Ove merece ser descoberto pelo grande público, especialmente nos atribulados dias de hoje, onde cada pequena boa ação é sempre bem-vinda. Constatando isso agora, é exatamente nisto que Um Homem Chamado Ove consiste: Uma grande e bonita boa ação de Holm e Lassgård para seu público.

Um Homem Chamado Ove ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, mas dadas suas chances no Oscar 2017, deve ser lançado em algumas salas nos próximos meses.

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