Crítica: Velvet Buzzsaw (2019)

Velvet Buzzsaw

Sabe aquela pintura que pode mudar completamente dependendo do ângulo que você a vê? A mesma coisa acontece com este thriller de horror Velvet Buzzsaw (EUA, 2019), e eu tenho a impressão de que era exatamente assim que seu diretor, Dan Gilroy, queria. Nesta sátira sangrenta ao mundo da arte, a arte em si é perigosa e aqueles que lucram com ela estão arriscando suas vidas.

Reunindo-se ao protagonista de seu filme de estreia, o estupendo O Abutre (Nightcrawler, 2014), Gilroy ataca todos os personagens que alimentam a máquina do mundo da arte: os artistas pretensiosos, os donos de galerias, os agentes, a clientela, e especialmente os críticos, dando a entender que quanto mais passional e obsessiva a arte, mais perigoso será para todos os envolvidos. Gilroy concebe seu filme como um híbrido entre o horror e a sátira mordaz, provocando o público na primeira hora e liberando a loucura violenta na metade final. Trata-se de um filme bastante inconsistente, em dados momentos até decepcionante e superficial, mas ao mesmo tempo ambicioso e inesquecível em sua magnética concepção visual e seu elenco primoroso.

Jake Gyllenhaal (beirando o caricato de maneira proposital), interpreta o crítico de arte Morf Vandewalt, cujo prestígio é capaz de transformar ou destruir a carreira de um artista, dependendo de suas avaliações. Ele é o cabeça de um círculo de aproveitadores que incluem a agente Rhodora Haze (Rene Russo, também de O Abutre), e sua assistente Josephina (Zawe Ashton, de Animais Noturnos, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli). Quase como o diretor de um slasher movie genérico, soltando pequenos fragmentos dos personagens que eventualmente se tornarão vítimas, Gilroy monta um conjunto de excêntricos personagens, como a gerente de galeria Gretchen (Toni Collette, emplacando mais um horror depois do ótimo Hereditário, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli); o petulante artista Piers (John Malkovich, de Bird Box, cuja crítica também está disponível aqui no Portal); o jovem e atraente agente Jon (Tom Sturridge, do recente Mary Shelley); o ambicioso artista Damrish (Daveed Diggs, do recente Ponto Cego); e a nova assistente Coco (Natalia Dyer, da série Stranger Things). Sim, é um populoso elenco de pessoas bonitas e atraentes, todos prestes a terem suas vidas superficiais destruídas.

Tudo começa quando Josephina chega em casa e encontra seu vizinho de cima morto no corredor. Ela espia dentro do apartamento do homem e encontra várias pinturas, todas belíssimas – um ponto alto da produção é o design das artes, que são realmente fantásticos. Tratam-se de sombrias obras de arte, e o filme teria fracassado se tais composições não atingissem o efeito que alcançaram – Josephina então descobre que seu vizinho era um artista problemático, que estava tentando destruir seus trabalhos quando morreu. Se Velvet Buzzsaw não fosse um filme de terror, Josephina teria interpretado isso como um sinal, mas como o público quer ver o circo pegar fogo, ela decide lançar as obras no circuito, e todos os personagens citados anteriormente (com exceção de Coco, talvez), querem uma fatia dos inevitáveis lucros de tais obras de arte. É então que pessoas começam a morrer.

O que torna Velvet Buzzsaw um filme de horror de aspecto único, é que visualmente a produção nunca se apoia nas cores escuras ou nas sombras tão típicas do gênero. Trata-se de um brilhante e vívido exemplar do gore, uma incursão pop art ao estilo Premonição banhada com muito vermelho, seja de sangue ou tinta. O design do filme me manteve todo o tempo impressionado com as escolhas visuais das pinturas, passando pelo design de produção ao figurino, até chegar às cenas de morte.

Quase todas as mortes em Velvet Buzzsaw envolvem personagens sendo absorvidos por sua arte, quase como se Gilroy estivesse dizendo que não se pode ser um outsider por muito tempo no que diz respeito à verdadeira arte, sem acabar sendo sugado para dentro dela. A fotografia à cargo do grande Robert Elswit (também de O Abutre e outros primorosos trabalhos como Sangue Negro e Embriagado de Amor), eleva o resultado do filme, sempre pontuado por impactantes elementos visuais, sejam eles concretos ou não. O filme também conta com uma oportuna pincelada de humor-negro, ácido o suficiente para entreter os mais exigentes.

Os problemas do filme estão principalmente no roteiro, que por diversas vezes não resiste a uma investigação mais profunda da narrativa. O roteiro, à cargo do próprio Gilroy, parece um tanto incerto de seus alvos, e a narrativa aborda certas tangentes que não seriam necessárias. A edição também não funciona totalmente, soando abrupta demais em algumas passagens, o que prejudica o tom do filme, tornando-o discrepante. Velvet Buzzsaw com certeza é uma produção ambiciosa, o que dificulta a estruturação do filme, que acaba repleto de situações anti-climáticas que poderiam render momentos marcantes à produção. Entretanto, as fortes atuações por parte do elenco e principalmente as virtudes visuais do filme resgatam a produção do poço ao qual a mesma estava se dirigindo em sua primeira hora. E em sua metade final, Velvet Buzzsaw realmente diz a que veio.

Como alguém que assiste à centenas de filmes por ano (sem falar nas horas de televisão), eu adquiri a inclinação de valorizar a originalidade, e Velvet Buzzsaw certamente é algo diferente de qualquer coisa que você verá este ano, seja na Netflix ou em qualquer outro serviço de streaming. Talvez por isso eu esteja mais disposto a perdoar os erros do filme. Ou talvez depois de ver o que acontece com o cínico crítico protagonista da produção, eu apenas esteja com medo de ser muito malvado.

Velvet Buzzsaw foi exibido em destaque no Festival de Sundance no final de janeiro, e estreia HOJE (01/02) no catálogo da Netflix.

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