Crítica: Wildling (2018)

Exibido no Festival SXSW deste ano, este Wildling (EUA, 2018), marca a estreia na direção do alemão Fritz Böhm, e não hesito em dizer que trata-se de uma tremenda estreia. Sombrio e místico, este conto de fadas noturno conta a história de Anna (Bel Powley, do thriller Detour, 2016), uma jovem que passou grande parte de sua vida trancada em um quarto bem ao estilo Rapunzel, tendo como companhia apenas seu sinistro “papai” (o ainda mais sinistro Brad Dourif, da trilogia O Senhor dos Anéis). O homem trata Anna com carinho, alertando-a repetidamente sobre algo selvagem que assombra a floresta que rodeia a remota torre de conto de fadas em que vivem. Ele parece amoroso e protetor, contudo, é nítido que ele mantém Anna em reclusão.

O espectador acompanha o crescimento de Anna, desde garotinha até se tornar uma jovem e bela mulher, sempre confinada no pequeno aposento. Durante todo este tempo, o público também acompanha o pai de Anna injetando um misterioso líquido na barriga da garota, com o intuito de só Deus sabe o porquê. Estas cenas de abertura desorientam o espectador, mergulhando-o de cabeça na narrativa sem oferecer nenhum tipo de contexto, injetando intriga e perplexidade de maneira imediata na plateia. Garanto à vocês que o contexto vem depois, à medida em que a trama de Wildling se expande de maneira cada vez mais estranha.

Eventualmente, surgem algumas circunstâncias e Anna é libertada de seu confinamento. Ela então chega até uma cidadezinha, deslumbrada com tudo o que nunca teve a oportunidade de ver enquanto esteve em seu quarto na torre. Ellen (Liv Tyler, também da citada trilogia O Senhor dos Anéis), a xerife da cidade, leva Anna sob custódia, horrorizada com a trágica história da garota. Ellen descobre que o suposto pai da garota estava injetando hormônios no corpo dela, impedindo-a de alcançar sua maturidade sexual. E agora, sob a custódia de Ellen, Anna pode finalmente chegar à puberdade, ao mesmo tempo em que se aproxima de Ray (Collin Kelly-Sordelet), o irmão adolescente de Ellen.

A história de Anna vai ficando cada vez mais estranha, enquanto o público passa o resto do filme assistindo esta jovem de olhos arregalados navegar o precário território da adolescência sexual, com um obscuro elemento sobrenatural complicando as coisas. A peculiar, quase infantil beleza de Powley, aliada à seus movimentos delicados e de ar vulnerável, dão à personagem uma natureza única. Powley e Tyler formam um par adorável, onde a Ellen de Tyler funciona quase que como uma aura protetora para a sofrida garota, que precisa e merece mais do que nunca o amor de uma figura materna, após o abjeto tratamento recebido por sua anterior figura paterna.

Ainda que esta seja uma bela história sobre a importância da amizade na jornada do amadurecimento, Wildling é também um filme de monstro bem bacana, que não tem medo de ser esquisito e assustador. Os efeitos de criatura são ótimos, e a produção também apresenta uma boa dose de gore, violência e sexo, mas sempre utiliza estes temas de maneira deliberada, até graciosa, nunca soando apelativa.

Wildling é também visualmente atraente, com uma exuberante e macabra fotografia à cargo de Toby Oliver (de Corra!, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli). Cada tomada evoca uma versão gótica e sensual dos contos de fadas, dando ao filme uma atmosfera selvagem e perigosamente bela. A trilha-sonora incidental de Paul Haslinger (da série Fear the Walking Dead) é tensa, assim como o design de som, tudo culminando em um filme que sempre soa como uma fábula dark e sinistra, na qual o público nunca se sente completamente confortável. Trata-se de uma produção ousada, que nunca perde o cerne de uma história sobre a chegada à idade adulta, ainda que traga alguns monstros literais à tiracolo.

Deixando a alegoria de lado, Wildling é basicamente uma história sobre o medo dos pais com relação à sexualidade de suas filhas, e a perigosa distância que alguns deles estão dispostos a percorrer para manter suas “menininhas” sempre protegidas debaixo de suas asas. A Ellen de Liv Tyler é a verdadeira voz da razão aqui, a sábia e amável matriarca que entende que Anna deve ser capaz de chegar à maturidade independente das complicações que podem ou não acompanhar esta transformação. Trata-se de uma esperta abordagem à um conto atemporal, e deixando um pouco de lado os significados mais profundos da trama, Wildling também funciona na superfície como um filme de monstro divertido e assustador, com ótimas performances e um extremamente efetivo uso dos efeitos de gore. O fã de horror não pode pedir mais do que isso.

Wildling não tem previsão de estreia no Brasil, e deve chegar ao país diretamente através de serviços de streaming e VOD.

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