Andrea Ignatti: Pés no chão

pés no chão

Uma das maiores conquistas de uma criança ― dentre tantas, dentro de cada fase da vida ― é conseguir colocar os pés no chão. Não mais engatinhar, mas ficar de pé, andar, caminhar, correr: firmar os pés no chão.

É uma conquista, porque vai descobrindo um mundo diferente e, por assim dizer, vai descobrindo do que é capaz.

Então, os brinquedos ― que, antes, eram companheiros frequentes das mãos e da boca ― passam a ser dos pés. Alguém já disse que o mundo é uma bola? Será que foi nessa hora que a bola entrou no mundo da gente?

Na minha, deve ter sido. Eu morava em apartamento, mas isso nunca me impediu de ter bola pra brincar, mesmo ser ter playground, área de lazer, essas coisas. Era no quarto, na sala, no corredor mesmo. Pés no chão, bola nas mãos e nas paredes.

Quando ia para a casa dos avós e tios no interior, com uma bola de vôlei amarelo-limão que tinha acabado de ser lançada, e que diziam que podia brincar na água também, quebrei acessórios do carro do meu pai ― e a cara, por causa disso, de tanto que havia escutado recomendações para tomar cuidado e não jogar perto do carro. Minha amiga, com pena de mim, assumiu a culpa por não ter pego a bola a tempo, mas a bronca veio mesmo todinha pra cima de mim. Bola querida, amiga querida, lembranças ruins. Pés no chão: a brincadeira acabou naquela hora e eu não lembro qual foi o fim da bola, no fim das contas.

Criança não se importa se o gramado é “verde pedra preciosa” (digo, esmeralda), se está alto demais; aliás, nem se importa se tem grama onde vai botar a bola pra rolar. Pode ser terra batida mesmo, areia seca, que suja a roupa, que seca a boca, que vira lama, que machuca o pé. É pé no chão, sim, senhor.

Quantas vidraças, quantas janelas, quantos retrovisores de carros estacionados tomaram tanta bolada quanto o gol sem rede? Pé, pra que te quero?!…

Então, a criança que começou engatinhando, aprendeu a andar, passou a correr, foi logo jogar bola, também descobre outro mundo ― seja com a bola nos pés, e os pés no chão, ou os olhos na televisão.

― Quero, um dia, ser jogador da Seleção!

― Quero ganhar muito dinheiro!

― Quero ter uma chuteira!… Colorida, que nem dos jogadores famosos!

E nada mais de pés no chão.

Uma resposta

  1. Que delícia é a relação de uma criança com a bola: pode ser de plástico, de couro, de pano, de meia, de gude…. São tantas memórias!

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