Fábio Muniz: “Deus está morto” (Friedrich Nietzsche)

Eu provavelmente estava em Barcelona quando li Assim Falou Zaratustra e me surpreendi com a frase de Friedrich Nietzsche que escreve: “Eu só creria num Deus que soubesse dançar…”

Ora, eu vejo nos Evangelhos um Jesus que me convida a festejar, faz água se tornar em vinho durante um casamento, visita amigos, aprecia uma boa refeição e um bom papo, conta parábolas de festas, se alegra com a vida, se alegra com as crianças, se alegra com a natureza, se alegra com o encontro e reencontro humano…

Pois bem, eu me pergunto: O que Friedrich Nietzsche não enxergou em Jesus que a leitura simples e sequencial das narrativas dos Evangelhos me mostram…

Um Deus de festa! Um Deus que SABE dançar…

Bom dia a todos vocês!

Antes de seguir a coluna desta segunda-feira eu peço por favor para que você leia a coluna da semana passada E Deus?! Existe?… (leia aqui)

Talvez você me pergunte: “Fábio, porque eu devo ler a coluna da semana passada?”

A razão é muito simples e básica. Eu estou falando de algo que tem começo, meio e fim. Ninguém abre um livro no meio e começa a ler. Eu pelo menos não faço isto. Por exemplo: este é um dos nossos maiores erros quando pegamos uma Bíblia. Lemos sem contexto histórico e cultural, trazemos pressuposições do século XXI, do nosso tempo e espaço, da nossa própria cultura, e mais ainda: das nossas leis de direitos humanos criadas há menos de 100 anos e tentamos aplicá-las no contexto primitivo de Êxodo ou Levítico onde não existia geladeira para guardar a carne, absorvente para mulheres, saneamento básico ou qualquer crise psicológica de alguém que ia para uma guerra e voltava para a tenda depois de um “massacre”…

Isto posto, um ente do século presente não pode comparar as suas leis com “códigos Hammurabianos” e por outro lado, não consegue fugir das angústias fantasmagóricas de uma guerra como a do Vietnã que traz ao indivíduo o risco de ser visitado por surtos psicológicos que alguém, por exemplo, que tenha vivido quase 3.500 anos atrás dentro de um contexto primitivíssimo provavelmente não surtaria.

Pois bem, eu fiz este preâmbulo para nos situar no tempo e espaço. Geografia, história, conceitos psicológicos, idiossincrasias familiares, diferenças entre culturas do ocidente e oriente nos ajudam a entender as crises profundas existenciais e de natureza moral-religiosa que envolve culturas e sociedades.

E mais ainda, a combinação de fatores externos e de agentes psicológicos internos nos ajudam a entender pessoas. Todavia, poucas vezes nos damos conta que os seus livros são sub-produtos de suas próprias experiências intrinsicamente conectadas com a maneira que eles cresceram.

Em outras palavras: são experiências que tem a ver com a relação entre um pai pastor e um filho cansado do moralismo religioso, as angústias de uma alma que não encontra explicação para o paradoxo da vida, o desassossego de coração de uma alma que busca explicação para a dor humana. Afinal de contas, como alguém poderia ser tão bondoso e generoso e perder subitamente a sua mãezinha que era tão amável e cheia de vida. Isto não parece ser justo. É justo?

De modo que esta arquitetura que circundava gente como Sigmund Freud, C.S. Lewis, Søren Kierkegaard ou Friedrich Nietzsche, circunda gente que conheço toda hora. Gente que foi manipulada pela religião. Gente que foi machucada em “nome de Deus”. Gente que foi abusada emocional ou sexualmente por líderes religiosos.  Gente que carrega experiências negativíssimas quando o nome em questão é Deus simplesmente porque Deus se tornou sinônimo destas mesmas experiências negativas pelo fato da mente do tal indivíduo ter entendido em algum momento que Deus tinha os seus representantes na Terra. No entanto, os tais representantes de Deus em questão nada têm a ver com Deus…

Friedrich Wilhelm Nietzsche, nascido em 15 de outubro de 1844 em Weimar, no Estado da Saxônia. Sua morte ocorreu em 25 de agosto de 1900, época em que ele estava em estado de loucura (fonte: André Luiz Melo – Estudo Pratico – Bibliografia Friedrich Nietzsche)

Isto posto, devo voltar ao nosso personagem de hoje: Friedrich Nietzsche. Eu aprendi desde cedo ler tudo o que ele, e outros, escreveram partindo da premissa de saber o mínimo possível, o pano de fundo básico da história familiar, pessoal, das crenças e frustrações de cada um.

Ora, não quero me extender muito, mas no mínimo você deve saber que Nietzsche viveu 55 anos de idade e era filho de um pastor Luterano. Ponto. O seu paizinho Carl Ludwig Nietzsche faleceu aos 35 anos de idade. Você pode imaginar isto? A causa foi um possível câncer no cérebro e fez com que Nietzsche vivesse uma perturbação horrorosa pensando que o mesmo mal lhe sucederia a qualquer momento como se fora um tipo de “carma hereditário”. E mais ainda:  seis meses após a morte do seu pai, o seu irmãozinho mais novo com menos de 2 anos de idade, Ludwig Joseph, veio a falecer.

Eu não preciso dizer o que é óbvio: um menino de 5 anos de idade, que cresce no seio de uma familia protestante, indo à igreja aos domingos, orando em cada refeição, vendo o seu pai preparando estudos bíblicos e sermões, é alguém que ora, ora e ora…

E ao invés de ver a ação sobrenatural do Deus dos Hebreus que abre mares, faz prodígios e sinais. Ao invés de curar o seu paizinho e o seu irmão, a resposta é o silêncio e o sepultamento de ambos.

Aliás, este quadro é muito similar ao contexto e história de C.S. Lewis. A diferença é que Lewis fez o caminho de volta e superou o trauma da religião cristã por uma experiência intransferível e inegável com o Jesus dos Evangelhos. Para este assunto, eu te recomendo a leitura da minha coluna Quando As Crônicas De Nárnia e O Senhor Dos Anéis se encontraram (leia aqui

Dito isto, tudo indica que no sepultamento do seu paizinho, Nietzsche ao ouvir as badaladas do sino da igreja começou a sentir no coração o que cresceria no sepultamento seguinte, do seu irmãozinho, as mesmas badaladas seriam a condução da sua jornada até a afirmação de que “Deus estaria morto”.

Eu sei que para a maioria dos que dizem crer em Deus, Nietzsche é visto quase como a personificação do mal, mas qualquer um que faça a viagem que ele fez lerá os seus livros com a percepção de alguém que apenas se frustrou com a religião cristã.

Posso te falar algo extremamente pessoal? Você me permite?

Obrigado. Sem entrar em detalhes, posso te dizer que eu mesmo não sei como não me tornei um Nietzsche…

E você me pergunta, “Como assim Fábio?”

É isto mesmo. Eu ouço, leio e aconselho muitos “Nietzsches” desde sempre.

E mais ainda: Aos meus 10 anos de idade, na minha primeira igreja local, eu comecei a perceber as coisas monstruosas e horrorosas que a religião pode fazer na vida de alguém. Tenho lembranças maravilhosas da minha igreja local, muita gente boa de Deus. No entanto, há muita coisa de lá que me faz pensar e entender dezenas dos traumas Nietzschinianos que milhares e milhões também carregam…

Ora, eu leio Nietzsche a partir da sua história. Eu leio Nietzsche enquanto eu penso em tanta gente que está pedindo ajuda como se fora um grito “Socorro!! Ajudem-me a separar a minha experiência horrorosa da religião com a fé pura e simples em Deus!!” Ou ainda: “Socorro!! Ajudem-me a conhecer ao Deus que jamais conheci!!”

Eu leio Nietzsche com muita compaixão porque poderia ter acontecido comigo quando eu perdi a minha audição e Deus não me livrou daquela piscina aos meus 4 anos de idade. Aliás, eu te recomendo para isto a leitura da minha coluna A vida e os seus paradoxos e mistérios (leia aqui) 

Eu leio Nietzsche sabendo que algumas das tantas crianças abusadas por líderes religiosos em acampamentos poderia ter sido eu. Eu leio Nietzsche pensando em muitas das vezes que a resposta foi o silêncio de Deus para uma oração que fiz pedindo uma cura e livramento, mas assim Deus entendeu, por sua sabedoria e mistério, que a jornada deveria tomar um outro rumo.

Eu leio O Super-Homem de Nietzsche, O Anticristo, Deus está Morto, Assim falou Zaratustra com a mesma ótica que leio o seu texto Oração ao DEUS desconhecido.

Isto posto, eu deixo com você nesta segunda-feira, no início desta semana, a versão que encontrei em Português da Oração ao DEUS desconhecido de Friederich Nietzsche. Texto que pode ser encontrado em Die schönsten Gedichte.

Oração ao DEUS desconhecido

Antes de prosseguir em meu caminho e lançar o meu olhar para a frente, uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti de quem eu fujo. A Ti das profundezas de meu coração, tenho dedicado altares festivos para que, em cada momento, Tua voz me pudesse chamar. Sobre esses altares estão gravadas em fogo palavras: “Ao Deus desconhecido”. Teu, sou eu, embora até o presente tenho me associado aos sacrilégios. Teu, sou eu, não obstante os laços que me puxam para o abismo. Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servir-Te. Eu quero Te conhecer, desconhecido. Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades a minha vida. Tu, o incompreensível.

Friederich Nietzsche

A gente volta na semana que vem.

Um beijo grande a todos vocês!

NELE, que conhece mente e corações e esquadrinha os caminhos mais profundos da nossa alma tanto quanto os nossos traumas causados pela religião.

Fábio Muniz

Lyon, França

 

Quando escreveu “Deus está morto”, Nietzsche não queria dizer que a entidade divina tinha deixado de existir — e sim questionar se ainda era razoável ter fé em Deus e basear nossas atitudes nisso. Ele propunha que, recusando Deus, podemos também nos livrar de valores que nos são impostos. A maneira de fazer isso seria questionando a origem dessas ideias. Ele se definia como um “imoralista”, não porque pregasse o mal, mas por entender que o correto seria superar a moral nascida da religião.

 

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Imagem 01, 02 e 03: Freepik

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Imagem 07: Janela Pensante

 

4 respostas

  1. Só com a ajuda de Deus podemos aceitar aquilo que não podemos compreender. Siga escrevendo, começamos a semana pensando e refletindo.
    Abraços,

  2. Um ótimo dia com mais uma excelente reflexão. obrigado Fabio Muniz. e Glórias ao Deus que se faz cada vez mais vivo em cada desesperança nossa.

  3. Amei….entendi que isto posto,poderá acontecer com qualquer indivíduo. Cristão e não cristão.conforme a causa q ocorrerá em nossas vidas podemos passar por tais situações ,mas digo q só Deus ,para nos guardar destes pensamentos…de revoltas…mas resumindo DEUS É AMOR.

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