Fábio Muniz:  E Deus?! Existe?

– “Fábio, o meu amigo Steve me disse que você trabalha fazendo pontes culturais em Kanagawa. Você pode me explicar o teu trabalho?” Toshi me pergunta após dizer que trabalha na prefeitura da cidade como responsável no recrutamento de voluntários internacionais para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

 – “É verdade. Prazer em te conhecer, Toshi.” Eu lhe respondo detalhes dos nossos projetos em Fujisawa enquanto seguimos tomando o nosso café no final da tarde na bela Starbucks da estação de metrô de Fujisawa.

 – “Eu estou muito interessado em saber se você é uma destas testemunhas de Jeová, um destes mormons que ficam nas ruas de Fujisawa praticando proselitismo.” Toshi começa uma conversa muito agradável e segue expressando uma sincera curiosidade.

 – “Eu ouvi falar que você acredita em Deus, é verdade? Mas, eu sou ateu.” Toshi faz uma pausa.

 – “É verdade. Eu acredito em Deus. Mas, eu não tenho nenhuma religião”.

 – “Como assim?” Toshi me pergunta assustado e confuso, mas segue muito curioso.

 – “Olha só. Na minha opinião a religião é a tentativa do homem se religar com Deus. No entanto, eu acredito que Deus unilateralmente decidiu vir ao encontro do homem.” Começo a explicar-lhe sobre este processo do amor incondicional e unilateral de Deus para com o homem usando palavras simples e prossigo o meu raciocínio.

 – “De modo que eu sou discípulo de Jesus. Ponto. Eu sigo a espiritualidade de Jesus. Ponto. Nada mais do que isto. Eu aprendo a viver os princípios da vida com Jesus ao ler os Evangelhos. Isto posto, eu aprendo com Jesus como responder à vida, tratar as mulheres, cuidar dos pobres, abraçar aqueles que ninguém quer abraçar, e assim tenho Ele, Jesus, como a minha referência para saber como Deus é, e como o homem deve ser”.

 – “Interessante…” Toshi me olha com um ar de que não está entendendo muito bem porque nunca ouviu nada igual ou similar. No entanto, quer saber mais porque nota que nas minhas palavras não há confronto e tampouco proselitismo.

 – “Vou te contar um coisa.” Eu lhe digo calmamente enquanto prossigo.

 – “Eu e a minha esposa Johnna decidimos não saber o sexo da nossa primeira filha porque simplesmente queríamos ter uma surpresa quando ela ou ele nascesse. Portanto, chegamos ao hospital em Saint Petersburg na Flórida para o tal do parto natural porque parto cesariana é muito raro nos Estados Unidos. Ele somente acontece após todas as tentativas do parto natural se esgotarem”.

–  “Pois bem, foi muito mais difícil do que esperávamos. Mais de 34 horas no hospital. E nada. A minha esposa estava sofrendo muito. Até que a médica entrou no quarto e lhe disse que utilizaria o vacuum, literalmente um aspirador para puxar a cabecinha da criança. Este sistema não existe no Brasil e nem no Japão.” Eu lhe explico enquanto percebo um ar profundo de curiosidade nele, mas ao mesmo tempo, noto muita compaixão no seu semblante.

 – “Você tem três tentativas de fazer a criança sair, Johnna.” Disse a médica para a minha esposa.

 – “E se não acontecesse nada depois das três tentativas?” Pergunta o Toshi com um semblante de que não tinha a mínima idéia como tal procedimento funcionava.

 – “Ela iria diretamente para a sala de cirurgia proceder uma cesariana. Eu me lembro quando entre 6 e 8 médicos entraram no quarto onde a Johnna estava, e todos ficaram esperando o procedimento. A sala de cirurgia já estava pronta. Todos nós estávamos muito tensos. Os médicos já estavam prontos para levar a Johnna na maca porque ela corria sério risco de infecção tanto quanto o bebê”.

 – “E você, Fábio? O que você fez naquele momento ao ver os médicos?” Pergunta o Toshi.

 – “Olha. Eu segurei na mão da minha esposa. Eu falava com ela. E orava sem parar. Pedia a Deus uma intervenção divina.” Fiz uma pausa. E com lágrimas nos olhos percebi o olhar apreensivo do Toshi. Era como se ele mesmo estivesse naquele dia em algum lugar no hospital ansioso esperando notícias que o parto tinha sido um sucesso.

 – “A Johnna estava muito cansada. Nem a primeira tentativa, nem a segunda tentativa com o vacuum

 – “E depois? E a última tentativa?” Pergunta o Toshi rapidamente quase me interrompendo, pois eu estava ainda terminando a minha última frase.

 – “A Sophia nasceu….”

 – “Que alegria!! Era uma menina”. O Toshi abre um sorriso e demonstra a sua alegria e alívio ao saber que a mamãe e a sua bebê finalmente ficaram bem.

A Sophia nasceu no dia 29 de Junho de 2013 na cidade de Saint Petersburg, Flórida.

 – “E porque eu estou te dizendo isto? O que tem a ver com a nossa conversa sobre Deus, “não-Deus”, ser ateu, ser discípulo de Jesus, religião e tudo mais…” Eu lhe pergunto olhando bem nos seus olhos.

 – “É verdade, Fábio. O que tem a ver?” Ele me pergunta com certa ansiedade seguindo muito curioso na nossa conversa.

 –  “Pois bem, permita-me te dizer uma outra coisa. A doutora Margareth entrou no quarto depois de uns 20 minutos para saber como estava a Johnna e a Sophia, pois já tínhamos o nome para o bebê: se fosse menino, seria Andrew, e se fosse menina, seria Sophia.

 –  “Eu gostaria de dizer que eu também passei por um parto extremamente complexo.” A doutora Margareth nos dizia olhando com muito carinho para a Johnna e a Sophia que acabara de abrir os seus olhinhos.

 – “É mesmo, doutora? E o que aconteceu com a senhora?” Pergunta a Johnna enquanto finalmente conseguia se ajeitar na cama sem nenhuma dor.

 –  “Olha só. A minha bebê estava com muitas dificuldades para nascer. A minha médica disse sobre a possibilidade do Eu estava assustada quando ela disse sobre as três únicas tentativas. Caso contrário deveríamos partir para uma cesariana também.” A doutora segue explicando o seu próprio drama enquanto eu e a Johnna escutamos tudo quase sem respirar, pois uma atmosfera “celestial” parecia ter invadido aquele quarto.

 – “Depois de uma, duas tentativas e nada…” A doutora faz uma pausa.

 – “Na terceira e última tentativa, a minha bebê nasce, finalmente, nasceu.” Percebemos uma outra pausa da doutora.

 – “E o nome dela (uma última pausa) também é Sophia.” A doutora suspira e sorri.

 – “Não posso acreditar!” Disse o Toshi.

 – “Olha Toshi. Eu sei que você não acredita em Deus. Eu te respeito. Eu acredito em Deus. Você já sabe disto. Eu simplesmente estou te contando esta experiência muito pessoal porque quero dizer que se eu não acreditasse em Deus, eu no mínimo seria um agnóstico porque naquele dia, alguém, alguma coisa, em algum lugar, queria muito, muito falar comigo e me ensinar alguma coisa. Era como se alguém pedisse licença para entrar e interferir na minha vida.” Eu fiz uma pausa com lágrimas nos meus olhos e lhe disse.

 – “Eu diria à Ele. Eu não sei quem você é, nem aonde você está, mas eu sei que você existe em algum lugar. Obrigado.” Um silêncio ocorreu entre nós dois.

 – “Fábio, posso te contar uma coisa. Eu tenho experiências similares. Isto posto, eu tenho que te confessar que eu provavelmente não seja um ateísta. Eu provavelmente seja um agnóstico porque eu não sei quem Ele é, e nem aonde Ele está, mas muitas vezes percebi exatamente o que você acabou de descrever: uma tentativa dEle participar e querer me mostrar algo e entrar na minha vida….”

Ora, não preciso dizer que é algo inimaginável e quase absurdo um parto de quase 40 horas, sendo que no Brasil marcamos a hora e a data para uma “simples” cesariana. Eu também acho assim. Eu contaria milhares de outras experiências sobre diferenças culturais, porém é assim que funciona nos Estados Unidos e sobretudo na Flórida. De qualquer forma, eu estou falando de algo infinitamente mais profundo do que as diferenças culturais que temos que superar em cada país e lugar que nos encontramos…

Você pode imaginar a emoção de ter a Sophia nos meus braços? Você pode imaginar a alegria de ver a Johnna e a Sophia em casa depois deste momento assustadoramente inesquecível?

Aliás, eu me lembro que por alguns meses eu me pegava com lágrimas nos olhos, emocionado a tal ponto que tinha que parar o carro e respirar fundo agradecendo a Deus pela vida da minha esposa e o nascimento da minha filha.

E talvez você me pergunta. O que aconteceu com o Toshi?

Veja só. Ficamos amigos. Ficamos em contato. Aliás, estamos em contato até hoje. E mais ainda, já estávamos com passagens aéreas compradas para o nosso retorno aos Estados Unidos, os projetos para França já estavam prontos quando subitamente eu recebi uma ligação do Toshi estando ainda em Kanagawa.

Na realidade, o Toshi sempre foi muito atencioso e extremamente educado. Ele já sabia que já havíamos saído do nosso apartamento e estávamos vivendo no andar de cima de uma igreja em Shonandai. A igreja nos havia cedido o espaço para ficarmos por lá nos nossos últimos 3 meses antes de nos despedir de todos e daquele país extraordinário.

Você pode imaginar? A Júlia tinha 1 mês de idade e vivíamos abrindo e fechando as malas por 3 meses:-) Sem guarda-roupa. A despeito de preferir não receber gente para nos visitar, o Toshi me disse que queria me apresentar a sua esposa antes de voltarmos para a Flórida.

Isto posto, perguntei para a Johnna se poderíamos servir um gostoso chá para eles enquanto a Sophia brincaria no salão da igreja e a Julia provavelmente ficaria dormindo, pois nem engatinhava ainda.

Foi uma visita muito agradável. Eu sou suspeito de dizer o quanto sou apaixonado pela disciplina, educação, e respeito da cultura e povo japonês.

Já estávamos chegando a quase duas horas de conversa quando começamos a falar de fé e espiritualidade.

 – “Fábio, por favor explique para a minha esposa o que você pensa sobre Deus.” O Toshi gentilmente me pergunta olhando para a sua esposa.

 – “Olha só. Deus não é uma experiência laboratorial. Conquanto eu use a razão, a minha lógica, toda ciência e argumentos filosóficos, eu chegarei a um determinado ponto de encurralamento porque não poderei prosseguir ao encontro de Deus pelas vias da razão”.

 – “Como assim Fábio?” O Toshi me pergunta enquanto a sua esposa procura entender com muita atenção aonde é que eu queria chegar.

 – “Pois bem, para acreditar em Deus, em primeiro lugar, não se faz um suicídio intelectual. Ponto. Mas, em segundo lugar, há um momento que as filosofias nos colocam diante de um enorme penhasco. Quem nos diz isto é o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Há um momento que eu salto. O salto da fé.” Eu ainda seguiria dizendo – …

 – “Vocês já assistiam o filme do Indiana Jones na Última Cruzada? Vocês se lembram quando o ator Harrison Ford está diante do “nada”, do “coisa alguma”, o chão não existe, ele se encontra encurralado, e portanto, salta no “nada” para provar a experiência mais indizível e inimaginável que um ser humano pode esperar”.

 – “E qual é, Fábio?” Pergunta o Toshi.

 – “É a experiência da fé quando termina a via da lógica sem praticar nenhum tipo de suicídio intelectual.” E mais ainda, eu dizia…

 – “Eu posso pegar esta garrafinha plástica de água vazia e atirar no rio. Se eu a atiro no rio e ela flutua na primeira vez, percebo que pode ser um fenômeno que se repetirá. Se eu fizer a segunda vez, ela também flutua, chego a conclusão que pode ser uma experiência exata. E se eu faço uma terceira vez e o resultado é idêntico, isto significa que inegavelmente ela flutuará sempre que eu atirá-la no rio. De modo que eu concluo pela lógica e metodologia científica que todas as garrafinhas de plásticos vazias ao serem lançadas no rio, flutuarão”.

 – “Hmmmm” (barulho japonês de alguém que está pensando).

 – “No entanto, Deus não é uma experiência laboratorial. Deus não segue um padrão científico e manipulável, senão Deus não seria Deus. Deus não é um “ser encontrável” no CERN (Centro de Pesquisa Nuclear), ainda que eu seja apaixonado pelas descobertas científicas deles. Deus não é um ser para ser “descoberto” por qualquer instrumento humano, senão Deus não seria Deus. Imagine Deus sendo encontrado por um “satélite” ou “telescópio”. E mais ainda. Deus é uma experiência pessoal e intransferível. De modo que eu gostaria imensamente de passar esta experiência para as duas criaturas humanas que eu mais amo na minha vida: as minhas duas filhas. Mas não posso…” Eu ainda completaria.

 – “Toshi, esta jornada espiritual com Deus é um caminho singular, único, pessoal, subjetivo com toda a objetividade de alguém que decide abraçar o “absurdo” e provar a experiência mais invisível e real que o homem pode ter. Você quer fazer isto, Toshi? Você quer saltar?”

 – “Hmmm, Muzukashii néhh.” (Hmmm, muito difícil néhh).

Com esta resposta, Toshi e a sua esposa se levantaram, nos cumprimentamos com muito carinho, reverência e respeito. Eu os acompanhei até a porta e a partir daquele dia, tivemos algumas outras conversas a distância e mantemos um certo contato desde então.

Dito isto, a pergunta no texto da coluna de hoje é “E Deus?! Existe?”

Em algumas listas, a França consta sendo o 4º país mais ateísta do mundo. Nós estamos apenas começando. Eu prometo voltar na semana que vem. A coluna de hoje foi só o aquecimento no vestiário. De qualquer forma, eu te convido a ser sensível suficiente para discernir a presença do inesperado na tua vida. Talvez você esteja tão cansado de todo o pacote religioso que não acredite mais em Deus ou está cansado de tanta loucura em nome dEle. Eu te entendo. Eu te respeito. Eu te ouço. Talvez você seja alguém que tenha sido manipulado ou conhece alguém que tenha sido abusada emocional ou até sexualmente por alguém que tinha um pseudo-papel de “autoridade espiritual” na igreja. Eu sei do que você está falando. Sinto muito por esta horrorosa e desumana experiência.

Finalmente, esta jornada é pessoal. Esta jornada é intransferível como eu dizia ao Toshi e a sua esposa. Eu te convido no mínimo a olhar para a natureza e imaginar que 10 centímetros do sol mais próximo da Terra, viraríamos torradas humanas. E outros 10 centímetros do sol mais distante da Terra, viraríamos picolés do Alaska.

Aliás, todos os dias quando olho para as minhas duas filhas, vejo o milagre do divino na gestação, na inexplicável maneira de cada uma delas saber pensar, na capacidade de ouvir e aprender 3 idiomas ao mesmo tempo, no livre arbítrio de poder já escolher e decidir ainda que sejam tão pequenas. É a tal imanência de Deus que chamamos na

teologia. Deus está presente em cada ser humano, pois fomos criados a imagem e semelhança dEle ou como Juliana de Norwich já dizia, “Não fomos criados apenas por Deus, mas fomos criados de Deus. Pense nisto.

 

Esta é a cena que menciono na minha conversa com o Toshi. Søren Kierkegaard chama de “leap of faith” que traduzido ao Português significa o “salto da fé”.

 

A Sophia nasceu no dia 29 de Junho de 2013 na cidade de Saint Petersburg, Flórida. Ela tinha 2 anos quando nos mudamos para o Japão. Hoje ela está com quase 8 anos e moramos na França há 3 anos.

O Starbucks se tornou o meu “escritório”. Desenvolvíamos os nossos projetos, encontrava amigos, era o meu espaço para reuniões, tomar chocolate quente com a Sophia e foi o meu “refúgio” de todas as manhãs por 6 meses para que eu escrevesse o meu livro “Upside Down Evangelism”.

 

A minha experiência no Japão foi extraordinária. A beleza da natureza, a limpeza nas ruas e nos meios de transporte, a educação, os respeitos da cultura me ensinaram que é possível uma sociedade “funcionar” com segurança, saúde e oportunidades para todos.

 

Um beijo grande a todos vocês. E bom dia!

Fábio Muniz

Lyon, França

 

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

 

Imagem: Freepik

 

 

 

 

 

 

 

 

3 respostas

  1. Hoje dia 14/05 faz um mês que testei positivo para COVID, e quando me deparo com a leitura do seu artigo, essa experiência com Deus única e pessoal , exatamente como nesse meu processo de enfermidade com a internação e todos os riscos e consequências da contaminação por este vírus, a sensação de morte eminente, eis que recebo uma mensagem pelo WhatsApp, de um primo amado que mora na França que começa com a citação desses versículos: Salmos 121:1 Levanto os meus olhos para os montes e pergunto: De onde me vem o socorro?
    Salmos 121:2 O meu socorro vem do Senhor que fez os céus e a terra. O que mais dizer, essa sem dúvida foi uma experiência muito intensa do poder de Deus em minha vida. Deus existe …

  2. Que texto inspirador, Deus existe, precisamos estar dispostos a crer e ouvir. Continue escrevendo, seus textos nos ajudam a refletir !

  3. Nossa coitada da Joh!Parto bem dificil hein?? Eu aqui lendo igual o Toshi, numa ansiedade!kkkkk Mesmo ja sabendo o desfecho abencoado, pois os conheco desde que Sophia nasceu! E so Deus mesmo!

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