imQuem acompanha meus textos aqui no Portal do Andreoli sabe que eu sou o que pode ser chamado de um rato de festival. Como cinéfilo, à meu ver, não há nada mais gostoso do que garimpar surpresas nos diversos festivais do ano, especialmente os menores, como o Tiff: Festival de Toronto, e o South by Southwest, SXSW para os íntimos. Geralmente, diversas produções que são exibidas na programação do SXSW são filmes carregados nos diálogos de atmosfera indie, contudo, de vez em quando aparece algo que parece menos inspirado no cinema de Richard Linklater e mais baseado no inesperado, que remete ao horror europeu dos anos sessenta e setenta, e que traz um brilho diferente à atmosfera do festival.
É o caso deste novo trabalho do diretor venezuelano Sebastian Gutierrez (Um Caso Complicado, Doces Problemas, Hotel Noir), o estiloso Elizabeth Harvest (EUA, 2018), que traz no elenco a bela Abbey Lee (O Demônio de Neon, Mad Max: Estrada da Fúria), o ótimo Ciarán Hinds (da excelente série da AMC, The Terror), e a ainda maravilhosa Carla Gugino (do thriller Jogo Perigoso, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), e colaboradora habitual do diretor.
A trama deste Elizabeth Harvest parece ter saído diretamente de um daqueles contos clássicos de suspense, em que um homem (Hinds) traz para casa sua nova esposa, a Elizabeth do título (Lee). Ele é visivelmente rico e poderoso; ela é linda e feliz. O que poderia dar errado? Pois eu digo. Os problemas do casal surgem quando a esposa questiona o marido sobre o único e misterioso cômodo da casa que permanece trancado o tempo todo, cujo acesso é controlado e bloqueado por ele. À princípio ela não questiona demais, mas com o passar do tempo, o tédio e a curiosidade começam a devorá-la viva, e ao mexer onde não devia, Elizabeth descobre algo realmente aterrador.
Elizabeth Harvest recebeu algumas comparações com o excelente Ex Machina: Instinto Artificial (2015), filme de estreia do roteirista Alex Garland, que depois viria a dirigir o também ótimo Aniquilação (Annihilation, 2018), cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli. Tal comparação acontece mais por alguns pontos narrativos do que pelo visual da produção, mas confesso que Elizabeth Harvest me prendeu mais pelo visual, que lembra demais o trabalho dos mestres Dario Argento e Brian De Palma, e este é o grande mérito da produção.
Gutierrez usa as cores de maneira abundante, bem ao estilo de Argento, lavando a tela em vibrantes tons de vermelho e verde. Gutierrez utiliza-se até do recurso clássico de De Palma ao dividir a tela em duas durante uma sequência mais intensa, e também mostra-se sem medo nenhum de extrapolar no sexo e na violência, que remetem ao cinema autoral dos anos setenta e oitenta. Os elementos de design de Elizabeth Harvest são de maneira geral fantásticos, incluindo o design de produção da casa, que soa ao mesmo tempo opulento e aterrorizante, assim como o score musical de Rachel Zeffira, que já havia feito um trabalho memorável no thriller dramático O Duque de Burgundy (The Duke of Burgundy, 2014).
Gutierrez derrapa um pouco na duração de seu filme, desnecessariamente longo demais (próx. das duas horas de duração). Elizabeth Harvest poderia bem ter uns 20 minutos a menos, e muito do que é visto na segunda metade da produção consiste em uma série quase incessante de exposições visualmente opressivas demais. Mas trata-se de um complicado e envolvente pequeno conto, que prende o espectador mais por suas fortes imagens e concepção, do que propriamente por suas reviravoltas. O que não deixa de soar atraente nos dias de hoje.
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