Lilian Schiavo: Time’s Up (Acabou-se o tempo)

Este ano começou com grandes notícias, uma delas é que a Islândia é o primeiro país a tornar ilegal pagar salário menor a mulheres. Ponto para as mulheres que tiveram uma reivindicação antiga transformada em lei!

O novo código de conduta entre os sexos é o tema de capa da revista Veja desta semana, apontando as mudanças comportamentais motivadas pelas denúncias de assédio sexual e pelo novo e corajoso posicionamento das mulheres.

Já estava bem animada quando recebi uma dose gigantesca de esperança com o emocionante discurso proferido pela Oprah Winfrey na cerimônia de entrega de prêmios do Globo de Ouro.

Além de apresentadora e empresária de sucesso, Oprah é uma das mulheres mais influentes do mundo e tem uma história de vida que mostra como podemos ser como uma flor de lótus que nasce no pântano sujo e desabrocha como uma das flores mais admiradas pela sua beleza e pelo mistério de ter como característica repelir microrganismos e partículas de pó, ou seja, é repele a sujeira.

Conhecer a biografia da Oprah Winfrey é mergulhar nessa capacidade de ser impermeável ao sofrimento, humilhação e abandono, é ser mais que resiliente, pois ela teve forças para criar uma nova realidade e ao invés de se revoltar ela decidiu lutar e vencer.

Teve uma infância difícil e pobre pois era filha de uma mãe solteira que foi criada pela avó, aos nove anos estava morando com a mãe quando foi estuprada por um primo e teve início uma história de abusos sexuais cometidos por amigos e parentes da família. Aos 13 anos foi enviada para um centro de detenção juvenil e engravidou aos 14 anos mas perdeu o bebê.

Na adolescência foi morar com o pai que provocou uma mudança na vida da filha ao fazer com que ela lesse um livro por semana e fizesse um resumo do livro, a partir daí se tornou uma excelente aluna.

Desde criança demonstrava seu talento como comunicadora e aos 17 anos venceu um concurso de beleza em Nashville e foi a uma rádio onde, ao se ver diante do microfone, foi tão brilhante que conseguiu seu primeiro emprego num meio de comunicação.

Vejo nela um exemplo de auto conhecimento precoce pois desde pequena ela sabia qual era o seu talento e o que ela queria ser, independente do que o mundo e as pessoas fizessem ou falassem ela prosseguiu firmemente. Palavras como indecisão, desistência e dificuldade parecem não existir para ela.

Como resultado da série de estupros e abusos que sofreu ela inspirou a “Lei Oprah”, assinada pelo então presidente Bill Clinton. Ela esteve no Senado para prestar um depoimento ao comitê que estudava a Lei Nacional de Proteção à Infância e disse:

“Falo aqui em nome das crianças que desejam ser ouvidas, mas cujos gritos, desejos e esperanças acredito que, com frequência, caem em ouvidos surdos.”

Não foi por acaso que o auditório a aplaudiu em pé nesse evento em que ela começou recordando o impacto provocado por Sidney Poitier ao vencer o Oscar de melhor ator. Como ele, Oprah sem dúvida é uma fonte inspiradora quando disse:

“Tenho para mim que, neste momento, haverá alguma menina a ver-me transformar na primeira mulher negra a receber este mesmo prêmio.”

Certamente uma imensidão de meninas de todas as etnias e diferentes classes sociais foram motivadas a  se sentiram capazes de realizar algo grandioso quando crescerem, olhar para ela é ver um exemplo de transformação e vitória.

“Dizer a verdade é a ferramenta mais poderosa que temos”, ao se declarar “inspirada e orgulhosa” pelas mulheres que se sentiram com  capacidade para falar e partilhar as suas experiências pessoais.

“Não é uma história que afeta apenas a indústria do entretenimento. É algo que transcende a cultura, geografia, raça, religião, política ou local de trabalho. Por isto, esta noite, quero expressar a minha gratidão a todas as mulheres que aguentaram anos de abusos e maus tratos porque, tal como minha mãe, tinham filhos para alimentar, contas para pagar e sonhos para realizar.”

“Durante demasiado tempo, as mulheres não foram ouvidas e eram desacreditadas se ousassem falar a sua verdade contra o poder desses homens, mas o tempo deles acabou.”

“Eu entrevistei e retratei pessoas que testemunharam algumas das coisas mais horríveis que a vida pode atirar contra ti, mas a única qualidade que todas parecem ter em comum é a capacidade de manterem a esperança numa manhã mais clara mesmo durante as nossas noites mais sombrias. Por isso, quero que todas as meninas saibam neste momento que um novo dia esta no horizonte.”

“Time’s Up” ´( Acabou-se o tempo”) é o lema do fundo criado por mais de 300 mulheres poderosas de Hollywood destinado a ajudar mulheres menos privilegiadas a se defenderem de possíveis abusos sexuais no local de trabalho.

Na OBME, convivo e trabalho com muitas mulheres e fico estarrecida com o número de depoimentos que escuto sobre violência, assédio e estupro, são mulheres aparentemente fortes e muito bem sucedidas e imagino a dor e traumas causados pelo silêncio, por isso vejo a importância da denúncia, do não ficarmos mais quietas e reféns dos algozes.

Sem dúvida, o discurso da Oprah Winfrey foi histórico, comovente e inspirador, um marco inesquecível na luta para garantir que a mulher seja ouvida, acreditada e respeitada.

Meu sonho é ver as mulheres brasileiras mobilizadas e unidas com a mesma esperança por um novo dia, um novo tempo, com coragem e dignidade.