Vivian Soares:  Crítica – “Decisão de Partir” surpreende com trama de detetive apaixonado por sua principal suspeita

Quando Parasita (2019), aclamado suspense que ficou famoso por retratar a rivalidade entre classes sociais opostas com requintes de genialidade venceu o Oscar de melhor filme, ele estava, não só levando a qualidade do cinema sul-coreano aos holofotes do mundo inteiro, como também reafirmando uma excelência que já existia. A verdade, é que apesar de as produções cinematográficas sul-coreanas estarem conquistando espaço nos últimos anos, elas não nasceram com o sucesso do icônico vencedor do Oscar 2020.

Antes de Bong Joon-ho, um outro nome já estarrecia espectadores dentro e fora da Coreia do Sul com suas tramas violentas, selvagens e imprevisíveis. Park Chan-wook é um dos diretores sul-coreanos mais aclamados, conhecido por sua impressionante maestria cinematográfica e por seus filmes absolutamente intempestivos. Ele ganhou reconhecimento mundial após o lançamento de Oldboy (2003), uma sangrenta trama de vingança que acompanha a história de Dae Su (Choi Min-sik), um empresário que vai preso repentinamente sem saber o motivo e, após conseguir sua liberdade, decide, além de descobrir o motivo da prisão, se vingar dos responsáveis pelo enclausuramento.

O diretor possui, ainda, muitos outros nomes de peso em sua filmografia, como A Criada (2016) e Segredos de Sangue (2013). Com um currículo tão notável, é de se pensar que esse filmógrafo saiba fazer cinema com muita propriedade e técnica, mas para além disso, o último lançamento de Park Chan-wook mostrou que ele não só sabe fazer cinema com proficiência, como também pode moldá-lo como um brinquedo em suas mãos.

Em Decisão de Partir (2022), mais novo longa-metragem do cineasta, o detetive Hae-Joon (Park Hae-il) é designado para investigar o assassinato de um homem rico e influente. Durante a investigação, ele conhece Seo-Rae (Tang Wei), a misteriosa viúva do falecido e principal suspeita do crime, mas o que deveria ser um simples processo investigativo se torna uma dor de cabeça para o detetive, que a cada interrogatório, fica mais atraído por ela. Apaixonado e com um caso para resolver, Hae-Joon deve descobrir se a mulher que ama realmente seria capaz de assassinar alguém ou não.

(Park Hae-il vive policial apaixonado por sua principal suspeita em Decisão de Partir. Foto: divulgação do filme)

Ainda que a premissa seja muito instigante, essa história é muito mais do que parece ser e tentar colocá-la em um quadradinho ou uma frase posta incorreria num grande reducionismo. Começando pelo gênero do filme, que transita entre romance e mistério com tanta fluidez que é até difícil saber ao que realmente se está assistindo – um romance clássico? Um drama policial? – diante da imprevisibilidade, que é marca registrada do diretor, essas perguntas surgem e se desfazem até o final, que não se dispõe a respondê-las; o filme é o que é, uma dança sublime que caminha ora pelo romance, ora pelo drama.

Essa aparente desordem no que toca ao gênero poderia ser um atrapalho se Park Chan-wook não fosse fluente na linguagem do cinema. O espectador não sabe exatamente ao que está assistindo, mas cada pequeno detalhe que surge na história faz com que ele queira descobrir. A tônica de um bom mistério, que prende e incita a querer acompanhar a narrativa até o fim paira no ar, mas acompanhada também do romance e o drama. Isso não quer dizer que o filme não sabe a que se propõe, e sim que ele não é uma coisa só.

Contudo, seria um erro dizer que a imprevisibilidade é o único elemento marcante nessa narrativa. Apesar das boas reviravoltas, o desejo é que assume o papel de protagonista. Se em ‘A Criada’, Park Chan-wook escolhe explorar ao máximo a sexualidade de suas personagens com cenas explícitas, em ‘Decisão de Partir’ o desejo é retratado de forma muito mais sutil, através de olhares, devaneios e entrelinhas. Hae-Joon deseja ardentemente Seo-Rae, de maneira completamente irracional e atordoante, e apesar de isso ficar muito nítido, é nas mais sutis interações entre as personagens que essa atração se mostra.

O resultado dessa construção em que mistério e desejo se alternam com facilidade é um filme realmente memorável, que sabe brincar com os sentidos do espectador e induzi-lo a criar diferentes expectativas ao longo da narrativa, que se fazem e se desfazem. No entanto, se você não conhece o trabalho do diretor, pode ser um pouco difícil acompanhar o filme, por isso, recomendo que antes de assisti-lo, tente assistir ‘Oldboy’. Você vai se surpreender com o talento e linguagem cinematográfica de Park Chan-wook.

‘Decisão de Partir’ já está disponível em alguns cinemas brasileiros, e é uma ótima opção para começar a lista participante da corrida do Oscar. Tendo sido selecionado para a shortlist da categoria de Melhor Filme, essa história é uma grata surpresa aos amantes de cinema.

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

 

Imagens: Divulgação do filme Decisão de Partir

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