Em 2014, o jovem diretor e roteirista David Robert Mitchell conquistou crítica e público com seu “horror noir” Corrente do Mal (It Follows), um exercício de tensão cheio de estilo que mostrava os primeiros passos de um cineasta que chegava com algo a dizer. Pessoalmente, não morro de amores pelo filme, mas reconheço o talento verdadeiro quando vejo um, e Mitchell conseguiu me deixar ansioso pelo seu próximo trabalho. A resposta chega quatro anos depois com este Under the Silver Lake (EUA, 2018), um dos filmes mais aguardados do Festival de Cannes deste ano. O resultado deste retorno de Mitchell à direção, ao menos para mim, carrega o mesmo sentimento de seu cultuado filme de 2014. Há qualidades na produção a serem reconhecidas, mas tais atributos integram um filme permeado pela paranoia, que funciona (nem sempre) como um estranho híbrido de comédia com thriller sobre teorias da conspiração.
No filme, o cada vez melhor Andrew Garfield (dos fortes dramas Até o Último Homem e Silêncio, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), interpreta Sam, um malandro desempregado (por opção) que está prestes a ser despejado de seu apartamento em Los Angeles. Sam passa os dias fumando e cochilando na sacada do apê, e ocasionalmente espiando sua vizinha de topless na sacada da frente.
Numa tarde, Sam se junta à sua vizinha, Sarah (a bela Riley Keough, de Docinho da América e Ao Cair da Noite, cujas críticas você também pode conferir aqui no Portal), na piscina, e depois de alguns drinques e flertes, a dupla vai parar na cama dela, num apartamento que ela divide com mais algumas pessoas. Mais tarde, enquanto Sam e Sarah assistem à TV, os referidos e peculiares companheiros de quarto de Sarah chegam ao local, e na manhã seguinte, Sam acorda e descobre que Sarah desapareceu, e que seu apartamento está vazio. Agora, um obsessivo Sam fará de tudo para encontrá-la. Custe o que custar.
Se em Corrente do Mal o diretor Mitchell trouxe uma faceta sexual ao sobrenatural, em Under the Silver Lake ele derrama uma estranha luz na atual cultura pop e suas inúmeras referências, além de trabalhar com uma boa dose de voyeurismo em sua narrativa, elemento de praxe dos filmes noir. Sua trama entretanto, logo envereda-se pelas trilhas do mistério, à medida em que seu protagonista circula pela fantasiosa geografia da cidade dos anjos, à procura de sua nova “namorada”. Cavernas subterrâneas, túneis e passagens obscuras habitadas por ocultistas, teóricos, insinuantes acompanhantes femininas e xamãs sem teto, fazem parte dos elementos que integram a jornada investigativa do protagonista.
Ao longo desta jornada, Sam interliga uma gigantesca teia de pistas e informações, à medida em que se encontra cada vez mais envolvido em torno da existência de uma graphic novel que dá nome ao filme. No caminho, entre tantas outras coisas, ele encontra o estranho autor da obra, se convence de que as canções de uma banda chamada “Jesus and the Brides” contém mensagens subliminares, e que o sequestro/assassinato de um milionário é a chave de tudo envolvendo o desaparecimento de Sarah. Material digno de um filme de detetive para hipsters.
Algumas das melhores cenas do filme são as que os nervosos efeitos surrealistas da produção dominam. Uma sequência narrativa em particular, que tem início em uma cobertura com uma vibe ao estilo Cirque du Soleil, prossegue à uma locação ainda mais bizarra que consiste em um mausoléu dentro de um cemitério, até chegar à um clube dentro de uma cripta subterrânea, dá o tom surrealista da produção e mostra o quanto Mitchell está em total controle de suas faculdades visuais.
Narrativamente, contudo, o roteiro do próprio Mitchell para seu Under the Silver Lake deixa a desejar. A busca do protagonista não sustenta os exagerados 139 minutos de duração, onde infelizmente (e com certeza inesperadamente para o diretor), o filme vai ficando cada vez menos interessante à medida em que Sam se aproxima do paradeiro de Sarah. Tem-se a impressão de que Mitchell sabe como encerrar a história de Sam, mas ele parece ter pouca certeza de como ligar os pontos de seu plot excessivamente não-convencional. Há momentos em que vale seguir a máxima do quanto mais simples, melhor. Mas Mitchell é jovem, da próxima ele acerta.
Under the Silver Lake ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e devido à algumas objeções do estúdio após sua exibição em Cannes, teve seu lançamento adiado internacionalmente.
Uma resposta
Achei esse filme muito confuso, esperava por um desfecho melhor, nem parecia que era o mesmo diretor/roteirista de Corrente do Mal.