Fábio Muniz: A Noite de São Bartolomeu, site UOL, Guerras Religiosas Francesas, Huguenotes e a minha esposa Johnna

Olá queridos amigos!

Eu tinha acabado de preparar uma aula sobre as Guerras Religiosas na França quando eu li a coluna do UOL que comentava sobre a Noite de São Bartolomeu ocorrida em Paris.

Você já ouviu falar deste massacre?

Pois bem, o chamado “Massacre da Noite de São Bartolomeu” ocorreu entre as datas de 23 e 24 de agosto de 1572.

Um resumo rápido: Margarida de Valois era católica e se casaria com Henrique de Navarra ou de Bourbon que era protestante. Em teoria deveria ser um casamento que apaziguaria as tensões entre católicos e protestantes que estavam se exacerbando em pleno século XVI. O fato é que a intenção de minimizar os conflitos religiosos e convidar os protestantes para a tal festa real acabou se tornando uma terrível emboscada. O tiro saiu pela culatra!

Algumas fontes afirmam que 100 mil mortes foram contadas a partir desta noite em Paris, pois outros ataques aos protestantes se desencadearam em outras cidades da França.

Este não foi o fim das guerras religiosas. Aliás, foi o início de um longo capítulo nas terras francesas onde o poder, a religião, a ambição, a intolerância se imiscuíram e fizeram da França um dos países mais seculares e ateístas do mundo!

Ora, Henrique de Navarra se tornou Henrique IV.

De modo que 26 anos depois do massacre de Paris, no dia 13 de abril de 1598 um documento importantíssimo foi assinado pelo próprio Henrique IV: O Edito de Nantes!

Você já ouviu falar no Edito de Nantes?

Este documento buscava mais uma vez amenizar as tensões entre os católicos e protestantes garantindo a tolerância religiosa que inegavelmente havia aumentado desde “A Noite de São Bartolomeu”. No entanto, a suposta tolerância durou “muito pouco” porque a bola da vez para reinar era o rei Luís XIV.

Luís XIV revogou o Edito de Nantes e assinou o tal Edito de Fontainebleau no dia 23 de outubro de 1685. A partir desta data, a França nunca mais seria a mesma. A partir desta data a perseguição que sempre existiu no século XVI foi oficializada. A partir desta data um “banho de sangue” se estenderia por mais de 100 anos!

Os Huguenotes, assim conhecidos como protestantes, foram perseguidos tendo o aval e o selo do rei Luís XIV que era católico. Portanto, nada de novo. O arquétipo se repete. A religião e a politica se confundem de tal modo que os minoritários são acachapados pela religião “oficial”.

Pastores foram torturados e mortos. Mulheres foram colocadas em prisões. Igrejas foram fechadas. Recompensas extraordinárias eram fornecidas a qualquer delator que encontrasse um grupo de protestante ou igreja reunida. Filhos de pastores foram obrigados a entrarem em escolas e instituições católicas para serem catequizados.

Vista da Torre de Constance em Aigues-Mortes onde mulheres protestantes e prisionei-ras eram colocadas.

Um horror!

Aliás, o Museo do Deserto localizado próximo da bela cidade de Montpellier que nos diga, pois podemos encontrar incontáveis documentos, exemplos de torturas, nomes de famílias massacradas, e inúmeros quadros mostrando como estas assembléias do deserto aconteciam.

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Você já ouviu falar das assembléias do deserto na França?

Pois bem, as assembléias do deserto foram reuniões clandestinas onde os protestantes tentavam manter um mínimo de comunidade enquanto eram perseguidos. Eles fugiram para os “desertos” do sul da França.

Barris se tornavam recipientes para manter o vinho e a água, ao mesmo tempo que se tornavam púlpitos para tais assembléias. Utensílios da cozinha eram utilizados no dia a dia da familia tanto quanto eram utilizados para a Eucaristia.

Na realidade, eles criaram um “kit culto” onde tudo era prático e fácil de ser removido caso algum delator, intruso, infiltrado do governo entrasse em uma destas reuniões clandestinas.

Você pode imaginar a pressão? Você pode imaginar viver dentro de um período onde católicos e protestantes que professavam a mesma fé em Jesus se odiavam por diferenças mínimas, ou sobretudo, diferenças de ideologia política?

É com muita tristeza que leio estas páginas sangrentas da história francesa.

É com muita tristeza que observo e entendo porque geração após geração, os franceses se fecharam para tudo aquilo que venha em nome de “Deus”.

A história estava longe de ter um fim.

Você já ouviu falar das “les galériens”?

Eram barcos onde os protestantes eram colocados e remavam, remavam, e remavam até nunca mais voltarem e morrerem em alto mar. Aliás, eu conheço gente que teve familiares postos nestes barcos e os seus nomes podem ser encontrados e lidos nos muros do Museu do Deserto.

Eu não posso esquecer que foi da cidade de Aigue Mortes, também no sul da França que com a ordem do rei Luís IX, o “nosso São Luís”, o mesmo de onde procede o nome de São Luís do Maranhão, infelizmente as duas últimas cruzadas foram enviadas para Jerusalém: VII cruzada (25 de agosto de 1248), e VIII cruzada (1 de julho de 1270).

As duas últimas cruzadas saíram da igreja de Aigue Mortes: VII cruzada (25 de agosto de 1248), e VIII cruzada (1 de julho de 1270).
Placa em memória dos apelos às 7ª e 8ª Cruzadas, na igreja de Notre Dame des Sablons Texto na placa: “Em memória de São Luís e seus cavaleiros que receberam a cruz nesta igreja das mãos dos cardeais-legados E. de Chataupoux e P. de Chevpièpes para o VII 25 de agosto de 1248 e a VIII cruzada 1 de julho 1270 – Deus quer”

Eu não posso esquecer que foi na cidade de Aigue Mortes que a protestante Marie Durand (1711-1776) permaneceu presa na Torre de Constance por 38 anos!

Isto mesmo: não foram 38 dias, não foram 38 semanas, não foram 38 meses…

Ainda podemos visitar e ver as marcas literalmente deixadas pela Marie Durand na prisão. Você sabe o que ela escreveu?

Ela escreveu: “Resistér”. Uma ordem e chamado para Resistência!

E como ela escreveu, Fábio?

Ela escreveu com as próprias unhas! Você pode imaginar?

Marie Durand (1711-1776) permaneceu presa na Torre de Constance por 38 anos e escreveu a palavra “Resistér” com as próprias unhas.

Pois bem, a minha coluna de hoje foi inspirada na coluna do UOL que nos remete para 450 anos de história a partir da conhecida “Noite de São Bartolomeu”. No entanto, você percebe que a história da “Noite de São Bartolomeu” não é um evento único e se tornou um dilema infinitamente mais complexo em terras francesas.

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Paul Rabaut e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

Na realidade, pouca gente sabe que foi de Nîmes que um joalheiro da cidade desenhou o que conhecemos como a Cruz Huguenote. E mais ainda: pouca gente sabe que Paul Rabaut (1718-1794), o apóstolo dos pastores do deserto, desempenhou um papel importantíssimo na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Paul Rabaut passou os últimos anos da sua vida exatamente em Nîmes. Em 1791, Paul Rabaut foi responsável pelo artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que diz: “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”.

Nîmes: Arena Romana e vestígios do século I. Paul Rabaut, apóstolo das assembléias do deserto, viveu os seus últimos anos exatamente nesta casa. Faleceu no dia 25 de setem-bro de 1794.

De modo que tal documento vem na esteira da Revolução Francesa que aconteceu em 1789.

Em 1715 morre o rei Luis XIV. O período dos pastores e assembleias do deserto durou 106 anos segundo os dados do Museu do Deserto. No entanto, apenas a partir de julho de 1794 os templos protestantes são reabertos.

O centro histórico da linda cidade de Montpellier mostra a lista de 34 nomes de pastores que foram mortos exatamente no centro da própria cidade.

Abaixo destes nomes, lemos o artigo 10, criado por Paul Rabault que sinaliza o marco da liberdade religiosa, filosófica e política no país.

Olhar para a linda e importante cidade romana de Nîmes é olhar para uma cidade influenciada pelo protestantismo na França: casas com fachadas simples, e arquitetura que não ostentava nenhum poder. Olhar também para a linda cidade de Toulouse é olhar para uma influência católica que por séculos impôs o poder e refletiu toda soberba papal nas suas fachadas e singular arquitetura que mostrava a pompa e o glamour que refletia o poder político, social e econômico vindos do Vaticano.

E você sabe o que eu sabia e não sabia antes de ler o texto do UOL?

Eu já sabia que os Huguenotes fugiram e foram para a Escandinávia, Inglaterra e muitos chegaram nos Estados Unidos.

Todavia, eu não sabia que a Johnna, a minha esposa, fazia parte da descendência destes Huguenotes.

Isto mesmo!

Conversado com ela sobre a coluna do UOL, e tudo isto que você acaba de ler, o seu tio nos enviou um documento que consta o nome da sua família, dos seus avós, tios e papai a partir da décima geração de um dos Huguenotes, Jacques Hennot, que fugiu das terras francesas e chegou na Inglaterra em 1598.

Documentos que traçaram a linhagem genealógica da Johnna, dos seus tios, pai e avô até os Huguenotes do século XVI na França.

Apenas peço a Deus que as intolerâncias religiosas e de qualquer natureza política sejam apaziguadas em nome do amor e do bom senso.

Até a próxima!

Fábio Muniz

Chicago

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Imagens: Arquivo pesssoal do colunista

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