Abre o olho japonesa!

Nem sei dizer quantas vezes ouvi dizer que as mulheres orientais são tímidas, caladas, invisíveis, em grande parte é verdade, é uma questão de educação, de cultura, fomos ensinadas a falar baixo, não gritar nem fazer escândalos, aprendemos a ser discretas e não reagir com violência.

Fui vítima de um crime patrimonial justamente por causa destas características, e quando perdi tudo, questionei ao delegado porque isso tinha acontecido comigo, ele perguntou se eu me olhava no espelho.

Respondi que sim, todos os dias me via no espelho.

E foi assim, a seco, sem delongas que fui classificada como a vítima perfeita:

  • Sou mulher
  • Sou japonesa
  • Sou tímida, costumo ficar escondida e quieta num canto
  • Possuo um índice de agressividade zero

Voltei para casa pensando que seria impossível deixar de ser mulher, japonesa, tímida e pacífica, mas prometi a mim mesma que faria com que as “fraquezas” virassem força.

E foi com essas aparentes “debilidades” que me transformei no que sou hoje, uma mobilizadora de redes de mulheres, uma tímida que fala em público simplesmente para mostrar que sim, somos capazes de tudo! Uma pessoa que não consegue matar uma formiga, mas que é capaz de mover o mundo para apoiar e defender outras mulheres.

A maior parte do meu tempo é dedicado ao voluntariado, então é óbvio que tudo o que conseguimos, cada espaço que alcançamos é graças ao apoio e trabalho de outras mulheres voluntárias que querem deixar um legado, mulheres que se sentem acolhidas, com pertencimento, empatia e compromisso.

Agora, imagine se eu fosse agressiva, daquele tipo que primeiro bate para depois perguntar, que maltrata todo mundo, será que conseguiria reunir mulheres num coletivo?

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Quem caminha comigo sabe como é cada vez que subo num palco, as pernas tremem, as borboletas fazem uma festa no meu estômago, mas no final estou toda sorridente, abraçando todo mundo, feliz da vida por ter transmitido uma mensagem de coragem e sororidade.

Até aqui este texto está bonito, mas prepare-se para a parte indigesta.

Estive num evento solene, com pessoas que aparentemente deviam ter um nível cultural excelente, uma educação primorosa.

Eis que um senhor me pergunta se sou nissei, sansei ou não sei… respirei fundo para não externar o que senti, claro que todos sabemos quem somos, de onde viemos, ser “não sei” pode parecer engraçado para ele mas para mim soou ofensivo, passei a vida inteira escutando piadas sobre orientais ou pior ainda, apesar dos meus pais terem escolhido um bonito nome para mim e eu com muito orgulho me declarar brasileira tenho que ouvir algumas pessoas me chamarem por “japonesa” ao invés de Lilian.

Pode parecer frescura, mas não é.

Conheço uma advogada proprietária de uma empresa especializada em inclusão e diversidade, ela adotou uma filha negra e tem na equipe pessoas LGBTQIA+, confesso que sempre a admirei até o dia em que ela, toda orgulhosa, postou um vídeo num restaurante japonês morrendo de rir porque a filha estava esticando os olhos imitando uma japonesa e dizendo que era uma chingling… fiquei imaginando como ela se sentiria se alguém fizesse menção às características raciais da filha , aposto que ficaria indignada e ofendida.

É, ninguém faz nada de propósito, mas o referido senhor continuou seu circo de horrores, perguntando como eu consigo enxergar se meus olhos são tão fechados.

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Para evitar uma discussão desnecessária, virei as costas e me despedi.

Em compensação, num evento de mulheres, pediram para que a foto fosse repetida pois alguém havia fechado os olhos, então o fotógrafo na hora da nova foto disse: Agora prestem atenção, abram os olhos!

Imediatamente 2 ou 3 pararam e me olharam, disseram que era uma indelicadeza pedir para abrir os olhos, afinal, havia uma oriental entre elas.

Que alívio perceber que não estou sozinha, que não é mimimi. O ilusionista japonês Issao Imamura, numa palestra motivacional contou como se sentia esquisito, uma criança diferente na escola…

Foi impactante ver alguém desnudando um sentimento tão enraizado em nós, mas nunca comentado.

Então, na próxima vez que conhecer um asiático, não faça graça, não tente nos imitar, não puxe os olhos.

Da mesma forma com que nós respeitamos todos os povos e todas as culturas, gostaríamos de ser respeitados.

Ao contrário do que dizem, não precisam nos matar para garantir uma vaga na faculdade, basta estudar e seu lugar está garantido.

Aliás, a beleza do mundo está na diversidade, na individualidade de cada um, na riqueza de cada cultura, de cada povo.

Ninguém é melhor que ninguém, somos todos complementares.

“A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades. ” Paulo Freire

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Imagens: Arquivo pessoal da colunista

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