A chuva caia sorrateira. Pela janela gotas prateadas difundiam-se sem pressa. Laura levantou e colou o rosto pálido na vidraça. Por algum tempo permaneceu ali. Absorta. Absorvida pelo cheiro de terra molhada que a arremessava a infância. Lembrou do primeiro Beijo, tão inocente como molhado de um fim de tarde. Notou o circular frenético dos automóveis na avenida central. Luzes e faróis a colorir a janela. Um andarilho escondendo-se sob o cobertor… As crianças pequenas na saída da escola agarradas as mãos dos pais e o misturar dos guarda-chuvas. Abriu uma fresta da vidraça pra sentir a brisa. Inspirou profundo. Ar renovado a encher os pulmões e a pulsação das boas novas a invadirem a casa. A casa e a si mesma.
Laura sabia que estava conectada à sua essência. Nos últimos meses havia aprendido a vestir as roupas que melhor lhe caiam. A ocupar-se de tudo que a preenchia com o vigor e a alegria das sutilezas, dos sonhos bons que ela semeava há tempos… Da verdade que trazia nas veias… levantou a taça de vinho em um brinde com o Universo. Sorrio embalada pelo som da música que inundava a casa. Dançou suavemente, braços pro alto soltos a balançar o corpo. Sinuosas curvas, ritmo e freqüência em total equilíbrio. A fala sem voz de quem desfruta de suas descobertas, o cheiro bom da nova era, a plenitude do encontro pessoal, a mudança das chaves, a reconexão perfeita. A mulher madura olhava serena para seus leões, olho no olho, braços dados aos medos, amor de acolhimento. Laura havia escolhido perdoar suas falhas e o passado e soltar-se gigante e determinada em seu presente. Voltou o olhar para a janela. A noite precipitava-se entre azuis e a solitude. Brava mulher a respeitar suas inquietudes e a compor sua melhor versão. Ela não temia mais a chuva porque em seus acordares inundava- se de sol. De sol, de si e da sensação de vida esparramando por cada uma das alamedas de seu universo particular e tão infinito.
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Imagem: Entre cartas e amores