A liberdade é desorganizadora

Lembro de forma muito clara o quanto busquei ter liberdade a minha infância inteira. Sempre quis fazer coisas que me achava capaz e meus pais não deixavam. Quando cheguei na adolescência, então de forma muito precoce, me lançava em aventuras junto com pessoas mais velhas, claro eu era o filho mais novo e meus irmãos muitas vezes topavam me levar nessas aventuras.

Quando meus pais não deixavam que eu fizesse algo que eu queria era muito comum que eu ficasse revoltado. Discutia com eles, não aceitava imediatamente o que estava acontecendo, insistia incansavelmente para que me deixassem fazer o que estava pedindo e claro, naquele momento, eu não entendi esse NÃO tão decidido deles.

A história não para pôr aí, ainda jovem, com 16 anos consegui meu primeiro emprego, nesse momento minha cabeça passa por uma virada de chave de 360 graus. As relações de trabalho são completamente diferentes das familiares e amigos, sinto que acabei de chegar (antes da hora) a vida adulta. A escola já não fazia mais sentido, minha paciência se esgotava rapidamente com as conversas da galera da mesma idade, e agora eu tinha dinheiro para mais possibilidades.

Até que veio meu primeiro porre, aos 17 anos, o final da noite acabou num hospital com os meus pais indo me buscar, em função da minha idade.  Acontece então, a primeira prova da liberdade sem a maturidade para trazer um limite e aí vira um grande problema. O pior foi a vergonha diante do meu pai e ter desapontado a minha mãe. O que para mim durante toda minha vida foram referencias de lei e ordem e naquele momento eu rompia absolutamente com tudo aquilo. Mas como bom ser humano, quando a dor passa a gente esquece e para de tomar o “remédio”.

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Aos poucos fui conquistando meu lugar ao mundo, trabalhos, relacionamentos, faculdade, voltei aos pódios da natação, virei monitor em algumas disciplinas na faculdade, novos amigos, novas aventuras, ou seja, anos depois, sem limite novamente. Na minha cabeça eu podia tudo, na verdade eu nem pensava que não podia, não passava em meus pensamentos que algo que eu fazia era exagerado ou fora do bom convívio social. Até que a minha mãe de forma muito amorosa, num belo café da manhã disse: “O que você está fazendo não é certo”. Essa conversa não precisou se estender. Ali naquele olhar brilhando em lagrimas tristes eu entendi que era hora de seguir outro rumo. Tem horas que o melhor feedback que a gente precisa é dizerem que estamos “fazendo m*rd*”.

Algum tempo depois passei um tempo fora do país trabalhando com alguns amigos. Na casa deles, numa cultura completamente diferente da minha me vi inúmeras vezes sem saber o que fazer, ali as regras eram outras. Na casa desse casal de amigos, eu não podia tudo como era na casa dos meus pais, naquele país europeu as regras eram muito mais severas, não tinha “jeitinho” ou você anda na linha ou está fora.

Minha cabeça da mais uma volta de 360 graus, a dor no peito é incontrolável, simplesmente tive um ataque de pânico, eu não sabia ser alguém ali. As duras e boas penas, aprendi a observar e seguir regras e para minha surpresa, a regra era libertadora.

Exatamente isso, a regra é libertadora. Entender quais eram as regras e o que realmente era aceito e possível, facilitou muito a minha vida. Entendi o que deveria e o que não deveria fazer, e vida ficou muito boa.

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As “regras do jogo” fazem parte do bom convívio em qualquer ambiente, em qualquer relacionamento. Quando fui morar junto com a minha atual esposa, tivemos vários momentos de conversas francas de como viveríamos juntos. Éramos o início de uma nova família, e hoje depois de 17 anos, continuamos alinhando regras desse espaço, afinal agora temos 2 filhas, é uma nova família de novo. E são as regras que permitem o equilíbrio do ambiente e a saúde das nossas relações.

Freud no seu texto Mal-estar na civilização, deixa claro o quanto é difícil convivermos em sociedade e subterfúgios culturais, religiosos e de entorpecentes para conseguirmos suportar essa condição. Mas para mim o mais importante e organizador para uma boa vida em sociedade é se afastar dessa ilusão infantil de liberdade e entender que a regra é libertadora. Poder ser ou fazer tudo sem limites é um desorganizador mental que levará ao rompimento do laço social.

 

 

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