Nos olhos de Helena havia amor.
Era possível perceber a angústia no aceno aflito diante da janela do trem, além das tímidas lágrimas que lhe escorriam do canto dos olhos.
Criara o menino desde o ventre. O dia a dia de mãe solteira, os estudos, a determinação que emprestara a ele e a vontade imensa de que ele se formasse doutor.
“Você vai longe, meu filho. Não deixe que ninguém lhe corte as asas.”– dizia ela sempre que a situação apertava ou o cansaço abatia.
Helena tinha sido pai e mãe do jovem Inácio que agora partia em viagem do interior para a capital a fim de decolar nos estudos.
Naquele instante a vida lhe passava como em um filme trepidando cenas infinitas na memória… Desde que descobrira gravidez…Desde que testemunhara o abandono do marido…Desde que pusera os joelhos no chão para clamar a Deus, para ter a coragem como aliada.
Helena era mulher forte em corpo miúdo. Havia largado os estudos no fim da adolescência. Trabalhava de vender as quentinhas que fazia com gosto para os operários das fabricas em Nova Esperança.
Ah, esperança! Está aí sentimento que não lhe faltava.
Era noite ainda quando abria os olhos para preparar os cozidos.
Ajeitava a casa, arrumava a mesa e o café do menino Inácio, comia às pressas com ele e rumava para a escola, dois quilômetros dali onde viviam.
Casa simples, mas perfumosa como sentia gosto em dizer.
Quando voltava ia preparando cada guarnição da comida caseira para as entregas do dia. Sol a pino, de bicicleta, Helena seguia cantarolando pelas redondezas de Campo Alagado, bairro em que criara Inácio e alimentara sonhos.
Helena era filha de mineiros. Pai e mãe trabalhadores de escola rural, gente guerreira, honesta, educada e simples.
Ela sabia que o legado deixado pelos pais era o bem mais precioso que possuía e incentivava Inácio a seguir firme, mesmo em solo arenoso, e a construir sua própria jornada.
“Meu filho vai ser doutor! Vai fazer carreira e viver vida ainda mais digna na cidade. Quem sabe quando se aprumar por lá me leve pra viver com ele”.
Inácio partiu.
Em 20 anos haviam dividido conversas, ensinamentos, alegrias, choro, fases da vida e tantos sentimentos empilhados sobre a mesa da cozinha que afastar-se lhe doía o peito.
Era o inicio da caminhada pessoal de Inácio. Ganhara bolsa na Universidade por boa nota e precisava festejar a conquista,
Na garganta um nó: Ia iniciar fase adulta longe dos olhos e do cuidado da mãe enquanto os estudos durassem.
Secou as lágrimas ajeitando a camisa engomada. Beijou o escapulário que Helena lhe dera e acenou longo ate que não fosse mais possível ver a imagem da mãe na estação.
Helena voltou para casa a pé. Precisava desanuviar os pensamentos a afrouxar o peito.
Ela sabia que dois dias de viagem de ônibus e poderiam estar um com o outro, mas nunca haviam experimentado distancia. Também havia o peso da preocupação com a vida desconhecida de Inácio… os novos amigos, a moradia de estudantes, os do bem e os do mal da cidade grande…
“Ah, coisa de mãe!” – pensou Helena.
“Inácio ta quase homem feito! Eu é que sou boba, preocupada choramingando presença, diante de passo tão bonito do meu menino!” – falou ao vento.
Secou os olhos na manga do vestido, respirou fundo e sorriu. Certa da semente que plantara. Ela sabia do caráter de Inácio e que seu sangue corria nas veias do menino.
Assim entrou em casa, abriu as janelas pro ar entrar e foi se deitar fitando as estrelas. Acendeu uma vela em oração, grata por poder contar sua história e ajudar a dar voz às folhas ainda em branco de seu menino.
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