Descobertas de menina

Olhei para o céu conectando a vida que batia no meu peito a Deus.

 Veio-me à mente, por um instante, a foto daquele senhor de longas barbas brancas, tão velho como sábio, que eu havia conhecido em algum lugar da infância.

O “Todo- poderoso” criador de todas as coisas, pai de Jesus, e de todas as pessoas, de toda e qualquer forma de vida. Aquele que ama seus filhos e ouve as lamúrias de cada um de nós.

Na minha meninice, não entendia muito bem como Ele, apesar de superpoderoso, conseguia administrar simultaneamente tantos chamados, clamores, listas de pedidos…

Eu, a pequena Vitória, achava que aquele senhor de barbas brancas era o Deus de toda a gente. Olhava para o globo terrestre que rodopiava na minha estante e ficava só imaginando…

Na minha vizinhança eu percebia que Ele tinha vários nomes e que as pessoas conversavam com Ele de muitas maneiras… chamavam isso de reza, oração, clamor, prece… Eu batia papo com Ele mesmo. Sentava na minha cama, fechava os olhos e falava pra Ele tudo o que eu tava sentindo. Tudo o que desejava que acontecesse de bom para os meus pais, para meu irmão caçula Pedro e até para as minhas amigas da escola e pro meu cachorro Scooby… Meus pais rezavam diferente do jeito que vi, certa vez na Igreja. Diferente da minha tia Izildinha, que ia pro culto e cantava… às vezes ela chorava também e dizia que era de emoção porque tava sentindo Deus.

Duas amigas irmãs da minha classe rezavam umas palavras em outra língua, na frente de um altarzinho de madeira e seguravam nas mãos um terço, que não era bem um terço… mas era a conversa da família delas e tava tudo bem pra mim. Eu achava aquilo tudo muito interessante.

Fui criada pra conviver e gostar de toda a gente e eu me sentia feliz com isso. O tempo foi passando e os anos da minha vida também.

Certa vez, ouvindo a um noticiário no jornal, eu me assustei. Devia ter por volta dos 10 anos de idade quando me bateu uma sensação estranhíssima porque pessoas de um país distante estavam matando a outras pessoas em nome de Deus.

Pensei alguns instantes se aquilo era possível… O meu Deus não iria gostar nada nada de ver pessoas morrendo porque Ele quis.

Fui correndo conversar com Ele. Estava brava com aquilo. Como assim, Deus? Você não pune ninguém nem manda seus filhos matarem outros filhos, nem quer ver o sofrimento, a tristeza e o ódio nestas pessoas, Né? Por que é que esses adultos estão agindo assim?

Silêncio… Fiquei sem resposta imediata.

Naquele dia eu descobri que meus pais tinham me dado o nome de Vitória porque a mamãe tava com uns problemas de mulher e mesmo assim conseguiu me gerar na barriga dela e eu nasci. Para o papai e para a mamãe eu ter nascido era uma vitória e por isso me deram esse nome. Eu sorri. Eles me explicaram um pouco do que o jornal tinha exibido. Eu não entendi nada, mas uma coisa eu sabia lá dentro do meu coração… O Deus com quem eu conversava, que me ajudava quando eu ficava triste e quando eu tava com medo, ou mesmo quando eu contava alguma coisa muito mágica e feliz que tinha acontecido comigo não tinha nada a ver com a tal da guerra do jornal. Nem com a morte das pessoas, nem com sofrimento. O Deus que tava lá dentro da minha cabeça e no meu coração era bom, feliz, legal pacas… Eu sentia que Ele tava em todos os lugares (porque escutava o mundo inteiro!), que Ele morava na natureza, nas minhas alegrias, no amor que eu sentia pela minha família, pelas pessoas que eu conhecia… Ele tava até nas minhas brincadeiras, nos passeios de bicicleta, nas idas ao cinema, nas viagens que a gente fazia nas férias… E se a gente ficasse triste, Ele tava lá também dando um abraço igual ao do papai, da mamãe e dos que eu gostava de dar na minha professora, de esmagar os ossos.

Eu não sei se isso era verdade para todas as pessoas do mundo que moravam dentro do globo terrestre que girava no meu quarto, mas, quando eu pensava nele, isso era verdadeiro para mim. E pronto. Eu tinha criado a minha conversa particular com o meu Deus e levava ele comigo pra todos os lugares.

– Ah, pequena Vitória! – pensei, voltando a mim, fitando o céu azul e, preenchida de boa alegria.

Quanta sabedoria teu coração já guardava no teu peito de menina!

 

 

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Imagem: Canvas

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