Abri as portas do armário
E as gavetas do peito pra repaginar a vida
Algumas prateleiras estão empoeiradas
Algumas roupas mal usadas
Sentimentos à espera de melhor acomodação
Reviro
Re olho
Analiso
Nem tudo que está lá ainda me cabe
Muitas peças do xadrez já podem partir em doação
O que não me vale mais talvez tenha valor para outro alguém.
Faz frio e o vento cortante fere quem na rua está.
Olho para os meus casacos
Sapatos, saltos altos
Me pego sorrindo
Quantas coisas que ontem combinavam comigo
Hoje são apenas objetos
Obsoletos, antiquados, antítese do que sou
Lembrança do que fui
A gente se veste
Da personalidade
Veste estilo
Veste o estado de espírito
Estação em estação
E quando da por conta
A cor, o formato, as medidas
Já não nos retratam
Abro sacos que nomeio por “doar”
E pouco a pouco percebo que desapeguei de afetos
Fim de ciclo, nova fase, outra mulher
Cada roupa me remete a uma data, um momento, uma história
Penso nas colchas de retalhos coloridas construídas por mãos artesãs
Elas assim como os sentimentos unem partes tão diferentes
Mas complementares
Limpo, desdobro, separo
O que pode ser usado no momento
O que já não me pulsa
Agasalhos que cobrirão outros corpos
Fantasias que vestirão outros sonhos
Meus sapatos que já trilharam caminhos
Trilhas da história que escrevo
Aquecerão outros pés
Os cobertores,
Os lençóis que guardam tantas cenas do filme da minha vida,
Revestirão outros leitos.
Faz-me bem esse ato!
E de tudo o que resta percebo que preciso de pouco
Algumas cores das quais não me desfaço
Algumas texturas tão confortáveis para meus dias de sol ou do inverso
Reinvento-me!
Abro espaço para o que é precioso
Para o que faz sentido
Para o que sou
Poucos acessórios
Muitas afinidades!
No fundo do quarto há um espelho
Observo a Mulher a refazer e redecorar os armários internos
A rever valores
A enfeitar os dias com perdão,
Amor e calor de acolhimento
Há algum desconforto na poeira que esta arrumação levanta…
Desajeita algumas prateleiras
Faz vazia outras
Restabelece lugares e espaços importantes
Mas estou certa de que, ao fim do trabalho, o afeto despendido no ato de doar e a sensação de leveza cá dentro nos meus compartimentos interiores valem cada segundo do tempo e da energia que empreguei:
Porque arrumar os armários externos é como mergulhar para dentro.
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Uma resposta
Sensacional Roberta. Seus textos são primorosos