Roberta de Moraes: O Pai e o Alzheimer

Ela chegou a sua casa para vê-lo como fazia por hábito.

Olhos cerrados ele notou a presença de sua menina e, lentamente, os abriu.

Ele olhava para o vazio. Não a reconhecia. Não era mais capaz de saber onde estava e com quem.

Ela o beijou na testa afagou seu rosto e ele sorriu.

Ela sabia que em algum lugar de seu pai ela ainda habitava… mesmo que alagado por esquecimentos.

Talvez pelo cheiro de sua cria, pelas palavras que ela insiste em repetir ou pelo amor que ela carrega e derrama sobre ele.

Seus livros, sua história, uma vida inteira de ensinamentos: dono de ética invejável, médico, pai, humano, doce, divertido. Ariano doido, intenso, cheio de vida e luz.

Ensinara a ela com atitudes e ela as acatou como suas pedras mais preciosas. Uma a uma. E assim se construiu.

Ela sofre em seu egoísmo por querê-lo vivo. Lúcido. Pai e amigo.

Mas ele não está mais ali. Ela o abraça seguidas vezes e, na despedida, como se pedisse sua benção, ele segura as mãos dela e as leva a testa. Assim, repousa por instantes. O pai beijando as mãos da filha? Não seria o contrário?

Silêncio… O código de amor está feito. A metáfora com a qual ela trabalha tão naturalmente em suas escritas hoje ganha outro tom.

Ela chora e se vai. Porque apesar de mulher feita e madura ainda não aprendeu a permanecer em ausências.

 

 

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Imagem: Migalhas  

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