Amarelas folhas de outono

Dançam no vento

Lábios rubis a cintilar amores vãos

Observo alguma luz pela fresta da janela

Cai à noite e,

A moça de pouca roupa,

Rota fantasia espera o pão.

Deu-se há tempos… seu corpo, sua vida, seu oficio.

Viera para a capital na boleia de um caminhão.

Qualquer estrada servia para apagar-lhe o medo.

A vida, a infância perdida, os abusos, tantos nãos…

Ela comia livros enquanto sonhava solto.

Para os que vinham oferecia o que tinha

Emprestava sonhos momentâneos, inventava histórias, vivia a vida de outras mulheres.

Fechava os olhos enquanto tantos se deitavam em suas curvas sinuosas.

Era como se pudesse alçar vôos.

Mergulhava no futuro em que estaria livre,

Em que seria sua

Em que pudesse viver como tantas outras moças a beleza da juventude

Longe dos leitos,

Das fumaças de charuto

Do cheiro de bebida barata.

Quando se sentia só e o coração apertava

Ela segurava com força a medalhinha que carregava no peito.

Nossa senhora olhava por ela e havia de lhe dar outros rumos.

Assim havia dito a mãe, já falecida, quando ela tinha 12 anos de idade, momento em que também recebeu a primeira boneca de presente.

Becos estreitos de Minas!

Ela se lembrava de cada ruela…

Dos artesanatos em pedra-sabão, das igrejas, dos homens de bom coração e dos maus, também…

A boneca ainda estava lá misturada a tantos sonhos…

Rosália era moça destemida e não havia fugido de casa por rebeldia. Ela tinha um propósito.

Sabia que todo o dinheiro que guardava embaixo do colchão era a ponte que construía  para o futuro que escolhera para si.

Quando o dia raiava e eu abria as portas da quitanda pensava em Rosália nas tantas moças meninas privadas do amor de um lar… de papos na hora do almoço, de mãe e pai para abraçar, de irmãos para trocar experiência…

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Pensava em cada oportunidade que eu tive… e na liberdade de poder escolher ter uma vida diferente da de Rosália.

Eu sabia que a moça que mal sabia pintar a boca hora ou outra ia virar o jogo.

Ela tinha os livros, o sangue nos olhos, a juventude e a fé a seu favor.

Ela tinha a ela mesma e sua coragem. A despeito de tudo.

E isso, para mim, era o verdadeiro milagre.

 

 

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Imagem: Pxhere

 

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