A literalidade no pensamento é uma característica presente em muitas pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo, pois seu cérebro interpreta a linguagem de maneira extremamente concreta, dificultando a compreensão de metáforas, sarcasmo ou frases com sentido figurado, o que pode impactar bastante suas interações sociais.
Temple Grandin, pessoa com autismo, palestrante e profissional renomada, conta, no filme que tem seu nome no título, que ela pensa em imagens e detalhes específicos, o que a leva a entender a linguagem de maneira muito direta.
Para muitas pessoas com autismo, essa abordagem é uma maneira de encontrar segurança e clareza, evitando a confusão que expressões figurativas podem causar.
Vamos imaginar uma situação comum: um professor diz a uma criança com autismo para “manter os olhos na bola” durante uma aula de educação física. A maioria das crianças entenderia que isso significa prestar atenção na atividade.
Mas, uma criança com TEA pode interpretar essa instrução literalmente, pensando que precisa fixar os olhos na bola o tempo todo, sem entender o sentido figurado da frase.
Vou partilhar a experiência que uma grande amiga minha, mãe de um menino de 10 anos com autismo de nível 1 de suporte, vivenciou com a literalidade do filho. Ele frequenta uma escola regular e, de repente, começou a recusar-se a ir para as aulas.
Minha amiga, que é extremamente atenta ao filho, ficou muito preocupada e começou a suspeitar que ele poderia estar sendo vítima de bullying, passando perguntar frequentemente ao filho se alguém batia nele ou se brigavam com ele na escola. Ele sempre respondia que não, mas continuava sem querer ir, o que aumentava ainda mais a angústia da mãe.
Depois de algumas semanas tentando entender o que estava acontecendo, um dia, ao perguntar novamente se alguém batia nele, o menino respondeu: “Não, mamãe, eles não me batem, só me chutam.”
Daí minha amiga percebeu como a literalidade do pensamento do filho estava dificultando sua compreensão sobre as agressões que sofria.
Ele entendia “bater” de forma muito específica, associando a palavra exclusivamente a socos ou tapas, sem considerar que chutes também eram uma forma de agressão.
Percebendo a necessidade de adaptar a forma como se comunicava com o filho, minha amiga começou a reformular suas perguntas. Em vez de perguntar apenas se alguém havia batido nele, ela passou a usar uma linguagem mais ampla e inclusiva, como “alguém te agrediu?”.
Para sua surpresa, o filho respondeu com outra pergunta: “Fisicamente ou verbalmente?”. Isso a fez entender que precisava optar por algo ainda mais claro, como “alguém fez alguma coisa que você não gostou?”
A história da minha amiga mostra a importância de adaptarmos a comunicação às necessidades específicas de uma pessoa com autismo, especialmente em situações que envolvem emoções ou questões complexas, como o bullying.
Quando as perguntas não são feitas de maneira que a pessoa com TEA possa entender claramente, as respostas que recebemos podem não refletir a realidade da situação, o que pode dificultar a busca por soluções.
Como minha amiga criou estratégias para melhorar o entendimento do filho, todos podemos fazer isso na convivência com a pessoa com autismo:
- Explique as figuras de linguagem quando forem usadas: Isso pode ajudar a pessoa com TEA a aprender o significado dessas expressões e seu uso.
- Ofereça exemplos concretos para explicar conceitos abstratos: Se estiver tentando explicar o conceito de tristeza, você pode contar alguma história que a pessoa viveu “lembra como ficou triste no dia em que seu brinquedo favorito quebrou”.
- Dê instruções detalhadas e divididas em etapas menores e mais gerenciáveis. Em vez de dizer “arrume o quarto”, você pode dizer “primeiro, coloque os brinquedos na caixa; depois, dobre as roupas e guarde na gaveta.”
- Seja paciente e repita quando necessário: A repetição é fundamental para ajudar a pessoa a internalizar conceitos e instruções.
- Ensine habilidades sociais de forma explícita: Ensine a interpretar o tom de voz, expressões faciais e como reagir em situações sociais comuns.
- Incentive a busca por esclarecimentos: Frases como “pode me explicar de outra forma?” devem ser incentivadas, para que a pessoa se sinta segura em buscar entendimento.
Com o tempo essas estratégias vão ajudar essa pessoa a expressar suas necessidades, superar as barreiras da literalidade e se sentir incluídas e respeitadas.
Se ainda não assistiu o filme da vida da Temple Grandin eu recomendo fortemente que você assista!
Lembre-se também de que aqui é um espaço onde você pode se sentir acolhida! Se tiver dúvidas ou quiser compartilhar algum desafio,
Um beijo e até a próxima quarta-feira.
Juçara Baleki, @querotratamento