Crítica: Alma de Cowboy (Concrete Cowboy) | 2020

Um adolescente problemático tenta se conectar com seu pai ausente da única maneira possível: através da afeição de seu velho por cavalos. Este Alma de Cowboy (Concrete Cowboy, UK/EUA, 111 min.), é um sensível porém imperfeito drama sobre amadurecimento, que marca a estreia na direção de Ricky Staub, que também assina o roteiro ao lado do também estreante Dan Walser. O filme leva o espectador ao mundo potencialmente rico do Clube de Montaria Urbana da Rua Fletcher, uma organização localizada na cidade da Filadélfia onde a população negra local celebra a montaria e constrói uma comunidade. O sempre competente Idris Elba (A Grande Jogada), transmite sua usual autenticidade natural no papel de um pai ausente, que espera por uma segunda chance. Porém, o excesso de clichês envolvendo a turbulenta relação entre pai e filho constantemente bloqueia os elementos mais fascinantes da história, que deveriam ser o principal fio condutor dramático da produção.

Parte integrante do último Festival de Toronto, Alma de Cowboy remete bastante a três filmes recentes que envolvem quase que o mesmo tema, os ótimos Domando o Destino (2017), A Rota Selvagem (2017) e The Mustang (2019), filmes que também examinam a relação entre os humanos e estas magníficas criaturas de quatro patas. A presença sempre imponente de Elba bate de frente com o carisma de seu parceiro de cena, o jovem Caleb McLaughlin, o Lucas do megahit Stranger Things, que interpreta Cole, um adolescente de 15 anos de idade que acabou de ser expulso de mais uma escola em Detroit por causa de seu mau comportamento crônico. Sua mãe, sem mais saber o que fazer para endireitar o filho, o leva para a Filadélfia e o deixa na casa de seu pai, Harp (Elba), que pouco esteve presente na criação de Cole. Os dois de início não se dão muito bem, mas Harp tenta fazer o garoto se interessar pelos estábulos urbanos que dão sentido à sua própria vida.

Baseado no livro de Greg Neri, Ghetto Cowboy, lançado em 2011, o filme é mais cativante quando aborda o Fletcher Street Club, que existe de verdade e injeta um elemento de natureza indomável no cenário urbano. Para os homens e mulheres negras de diferentes gerações que cavalgam estes cavalos, a Rua Fletcher é um modo de preservar um pequeno pedaço da história americana que é quase sempre esquecido, em que os caubóis negros eram parte significativa do Velho-Oeste, ao contrário do que muitos filmes e livros didáticos mostraram ao longo dos anos. Um ponto adicional, é que a Rua Fletcher tem dado aos jovens problemáticos um lugar positivo para congregar em uma vizinhança que está sempre lutando contra a pobreza e o crime.

Infelizmente, esta convincente textura fica escondida nos fundos do roteiro, enquanto Staub segue nos dando um surrado conto de redenção entre pai e filho. O teimoso Cole eventualmente fica de olho no cavalo mais volátil do estábulo, com o animal obviamente simbolizando o espírito igualmente voluntarioso do jovem rapaz. Alma de Cowboy opera repetidamente na mesma frequência bem intencionada e simplista, o que inclui apresentar o melhor amigo de Cole, Smush (Jharrel Jerome de Moonlight: Sob a Luz do Luar), como um jovem vigarista que simboliza a sedutora atração do estilo de vida criminoso. Staub estabelece Smush e Harp como convenientes figuras que simbolizam e o bem e o mal, como um anjo e um demônio que ocupam cada um deles um ombro de Cole, apresentando ao jovem diferentes visões de mundo, onde ele terá que escolher uma delas.

Elba traz uma personalidade áspera e atraente para seu Harp, que cometeu ele próprio graves erros no passado. Mas McLaughlin é menos convincente como Cole, embora o problema esteja mais no roteiro de Staub e Walser, que nunca enxerga o jovem além do esquemático arco de seu personagem. Jerome, que esteve excelente na recente minissérie da Netflix, Olhos que Condenam, transborda carisma, mas Smush é um típico estereótipo de Hollywood do charmoso traficante que pensa que pode sair de qualquer enrascada na base da lábia. Mesmo quando as coisas ficam bem feias no terço final do filme.

Muitos dos integrantes do elenco de apoio são membros reais do clube da Rua Fletcher, e Alma de Cowboy ocasionalmente acena para as realidades sócio-econômicas do clube, naquelas que são as passagens mais pungentes do filme (a gentrificação está colocando os estábulos em perigo, sem falar que custa cada vez mais caro alimentar e abrigar os cavalos). De vez em quando, a cinegrafista Minka Farthing-Kohl captura a impactante imagem de cavalos correndo em câmera lenta pelas ruas da cidade, numa visão ao mesmo tempo magnífica e chocante, que contrasta um arruinado cenário urbano com a beleza e força pura dos animais. Há uma liberdade desenfreada nestes momentos, em um filme que ao contrário dos animais os quais retrata, possui pouco da apaixonante e imprevisível natureza selvagem.

Alma de Cowboy estreia no catálogo da Netflix no dia 02 de Abril.

 

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

*Imagens: Netflix

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