Crítica: Amigos Para Sempre (The Upside) | 2018

The Upside

Me lembro como se fosse ontem. O ano era 2011, e apenas para passar o tempo, meu pai e eu decidimos nos arriscar e assistir uma comédia francesa sem maiores referências. Duas horas depois, nos encontrávamos em completa surpresa e encanto. O filme era a comédia dramática Intouchables, que por aqui ainda utilizava o título Amigos Improváveis. Me lembro de comentar com o velho que o filme ainda estouraria quando se tornasse conhecido do grande público. Dito e feito, cerca de um ano depois, e sob o título nacional definitivo de Intocáveis, a produção tornou-se uma das mais queridas do grande público cinematográfico. É praticamente impossível encontrar um espectador, seja ele um fã de cinema ou apenas um espectador de ocasião, que não lembre do filme com um grande sorriso no rosto e um sentimento bom no coração.

O filme, escrito e dirigido pela dupla Olivier Nakache e Éric Toledano e protagonizada pelos excelentes Omar Sy e François Cluzet, acabou sendo um hit-surpresa nas bilheterias, em parte porque a história de um paraplégico rico e branco e de seu assistente negro e pobre que torna-se seu amigo mais próximo já fala universalmente ao coração do público. Contudo, o filme se transformou em um verdadeiro fenômeno cultural na França, encontrando seus fãs ao redor do mundo no processo. Sua premissa, inspirada na amizade real entre o empresário francês Phillips Pozzo di Borgo e seu cuidador Abdel Sellou, provou-se um template fácil e formulaico para celebrar a conexão entre as raças, classes e idades.

Alguns críticos mais ranzinzas na época acharam as políticas raciais do filme tão problemáticas quanto as do célebre Conduzindo Miss Daisy (Driving Miss Daisy, 1989), onde em ambos os casos um homem negro é o responsável por resgatar seu amargo superior branco de uma existência rabugenta e insular. Este é um clichê clássico do cinema americano, ou seja, era só uma questão de tempo até Intocáveis ser refilmado em língua inglesa e em território americano.

A melhor coisa que pode ser dita sobre este Amigos Para Sempre (The Upside, EUA, 2018), que coloca o eterno Walter White da série Breaking Bad, Bryan Cranston, em uma cadeira de rodas e o comediante boca-suja Kevin Hart (da franquia Policial em Apuros) para empurrá-lo, é que o filme pega mais leve no que diz respeito aos elementos raciais do original, e acaba por ser uma trivialidade até que cativante. A dinâmica entre os personagens continua óbvia, mas os talentosos protagonistas fazem o que podem para vendê-la, de qualquer modo.

Dirigido de maneira bastante burocrática por Neil Burger (de filmes tão díspares quanto a ficção juvenil Divergente e o inteligente thriller Sem Limites), o filme não perde tempo estabelecendo sua batida premissa. O abastado autor residente da alta classe de Nova York, Phil (Cranston), precisa contratar um novo cuidador para ajudá-lo com sua rotina diária, mesmo com o fato de Phil estar cansado e deprimido com a vida que leva. Sua assistente de longa data, Yvonne (Nicole Kidman, pagando as contas), seleciona os candidatos para as entrevistas dentro de um range de possibilidades, mas Phil, meio que reiterando seu desejo pela morte, escolhe Dell (Hart), um pai irresponsável e divorciado que acabou de sair da prisão e está procurando um trabalho fácil apenas para relatar ao seu agente da condicional. Entretanto, Dell acaba se envolvendo no mundo da alta sociedade, repleto de ópera, arte, carrões e um belo pagamento, enquanto tenta ajudar o ranzinza Phil a superar a morte da esposa no mesmo acidente que o colocou na cadeira de rodas.

Dell não perde a chance de abrir a boca incessantemente em cada oportunidade que aparece, zombando do mundo elegante com sua malandragem inerente das ruas. Para Phil, Dell é uma improvável nova perspectiva de vida, que vem de fora de sua bolha de desespero. É claro que estes mundos opostos colidem, à medida em que Dell desenvolve um interesse por pintura, deixa Phil doidão sempre que consegue, e o leva em alta velocidade pelas ruas da cidade. Amigos Para Sempre segue sempre a rota mais segura no intuito de estabelecer como estes dois mundos tão distintos enriquecem um ao outro. Sem surpresas aqui, pessoal; apenas diálogos previsíveis e sentimentais para o consumo das massas.

Felizmente, a aspereza com que Cranston interpreta seu personagem faz com que a estridente performance de Hart funcione como o contraste perfeito, e a dupla carrega o filme nas costas, da maneira que podem. Nem preciso dizer que o material começa a revelar as mesmas inconsistências do filme original, principalmente quando tenta desenvolver um forçado romance à longa distância entre Phil e uma mulher (Juliana Margulies, que aparece em apenas UMA cena), enquanto Dell banca o cupido tentando fazer o romance dar certo.

É aqui que Amigos Para Sempre se aproxima perigosamente do clichê do “homem negro mágico” que o cinema americano supostamente já teria aposentado anos atrás. Contudo, o filme evita o subtexto racial, e o humor é excessivamente superficial para qualquer tipo de entendimento cultural mais profundo. Trata-se de um filme mais preocupado em piadas sobre catéteres e maconha do que qualquer tipo de sofisticação. A história torna-se cada vez mais convencional à medida em que a produção transcorre, e a amizade entre Phil e Dell atinge todos os costumes já esperados deste tipo de material.

Mas mesmo que Amigos Para Sempre trafegue de um local familiar para outro, há uma qualidade inquestionavelmente carinhosa nos laços que se desenvolvem entre os dois homens. Posso até estar nivelando por baixo, mas Hart demonstra bastante profundidade no papel do homem desesperado para arrumar sua vida, e o delicado ritmo da produção aliado ao plot sincero do filme dão ao ator a chance de mostrar uma dimensão mais sutil de suas habilidades, coisa que outros filmes do ator, geralmente comédias desvairadas, nunca permitiram. Já Cranston, ator com a rara habilidade de desdenhar e sorrir ao mesmo tempo, é capaz de performar este tipo de material de olhos fechados.

Amigos Para Sempre basicamente segue no piloto automático, enquanto seus protagonistas fazem o que podem para elevar a rotina cansada da produção. Os dois conseguem a façanha até certo ponto, mas seus esforços são notados em todas as cenas, situando o filme em um local paradoxal: É um raro remake que enriquece o original, ainda que nunca propriamente justifique sua existência.

Amigos Para Sempre estreia nos cinemas brasileiros no dia 10 de janeiro.

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