Crítica: Capitão Fantástico (Captain Fantastic)

Em tempos cada vez mais caóticos, cercada pela violência e a desmoralização de valores, a sociedade moderna sucumbe lentamente (ainda que cada vez mais rápido) às suas próprias armadilhas. Este relevante Capitão Fantástico (Captain Fantastic, EUA, 2016), coloca seu intrépido protagonista e família em um cenário onde, longe da loucura da cidade grande, ou mesmo da vida em comunidade, tudo parece perfeito, puro e com propriedades idílicas. Entretanto, não é bem assim…

O protagonista é o idealista Ben Cash (Viggo Mortensen, impecável), um professor que ao lado da mulher, Leslie (Trin Miller), que sofre de transtorno bipolar, decidiu anos atrás, mudar-se para a floresta, onde construiu uma funcional propriedade que serve de lar para o casal e seus seis filhos. Extremamente cultos, Ben e Leslie educaram seus filhos em casa durante vários anos, com uma rigorosa educação física e intelectual. Entretanto, quando a morte de Leslie força a família a deixar o local onde vivem, Ben vê os valores que tanto prezou na educação dos filhos serem desafiados, uma vez que os jovens descobrem o verdadeiro mundo onde vivem.

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Capitão Fantástico é uma das obras mais questionadoras do ano, ainda que sua natureza seja leve e até engraçada. É também uma obra que apresenta um dos protagonistas mais únicos a surgir no cinema nos últimos anos. O Ben Cash (seria o sobrenome irônico de propósito?) de Viggo Mortensen é literalmente uma figura, e suas atitudes ao mesmo tempo causam admiração e contestação por parte do público. Ben é um pai exemplar, que tutoriou os filhos ao ponto da genialidade, mas que ao mesmo tempo, esqueceu de prepará-los para o mundo real, onde não só o que está nos livros tem validade. Prova disso é a personificação de seu filho mais velho, Bodevan (o ótimo George MacKay, da série 11.22.63), um verdadeiro gênio quando trata-se de conhecimento literário, mas que não é capaz de manter uma simples conversa com alguém, ou mesmo um mínimo convívio social.

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Muito bem escrito e dirigido por Matt Ross, ator de filmes como Psicopata Americano (American Psycho, 2000) e O Aviador (The Aviator, 2004), e que aqui entrega apenas seu segundo trabalho como roteirista e diretor, mostrando imensa maturidade, Capitão Fantástico leva o público à reflexão, forçando-o a rever alguns de seus próprios valores. Ben baseia a educação de sua prole nos pilares do socialismo (ao invés do Natal, Ben comemora o “Noam Chomsky Day”, por exemplo), além de considerar como fascista a grande maioria da sociedade ocidental, especialmente a America corporativa. Dentro deste contexto, a educação de Ben foi bem sucedida. Seus filhos seguem ao pé da letra os valores impostos pelo pai, e todos, mesmo os pequenos, sabem cuidar de si próprios. Contudo, os jovens simultaneamente caem em um completo estado de alienação, que os impede de viver em sociedade e interagir com outros, evidenciando que os extremos, tanto em um polo quanto em outro, nunca fazem parte do cenário ideal.

A narrativa da produção é rica e socialmente relevante, principalmente nas sequências que colocam em xeque a doutrina de Ben para suas crianças. E tais sequências ganham força na interpretação de seu elenco coadjuvante, com nomes como Kathryn Hahn (Foi Apenas um Sonho, 2008) e Steve Zahn (Clube de Compras Dallas, 2013), que interpretam a irmã de Ben e o tio das crianças, respectivamente, além dos ótimos veteranos Frank Langella (Frost/Nixon, 2008) e Ann Dowd (das séries Quarry e The Leftovers), no papel dos avós maternos das crianças, que guardam rancor de Ben pela morte prematura da filha. Atenção à ótima sequência de diálogos na sequência do jantar envolvendo Ben, seus filhos e os personagens de Hahn e Zhan. Simplesmente primorosa. Todos os intérpretes dos filhos do protagonista são extremamente talentosos e bonitos, apesar da pouca idade, mas é mesmo Mortensen o dono absoluto do show, em uma performance emocionante e cativante, merecedora de qualquer prêmio que possa vir a ser indicada.

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A produção decepciona um pouco em seu terço final, quando abandona o tom mais maduro e embarca de vez em uma jornada um tanto improvável envolvendo o destino das cinzas de Leslie, que tinha um desejo para elas em seu testamento. Apesar da ideia louvável, a aventura simplifica demais as resoluções finais do roteiro de Ross, além de, em minha opinião, simplesmente desconsiderar a questão dos avós das crianças, o que achei imperdoável.

Entretanto, está na própria natureza deste Capitão Fantástico questionar e confrontar o status quo, doa a quem doer. É uma produção que consegue ser corajosa e polêmica, sem deixar de ser doce, amarga e edificante, exatamente como amadurecer fora de sua zona de conforto.

Ah sim, você deve estar se perguntando quem diabos é Noam Chomsky. Chomsky é um liguista, filósofo, cientista, historiador, crítico social e ativista político (ufa!) norte-americano, considerado “o pai da linguagem moderna”.

Capitão Fantástico estreia nos cinemas brasileiros no dia 22 de Dezembro.

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